– Mariana, o chefe pediu pra perguntar se você se importa que de que a diretoria tenha acesso irrestrito aos seus dados. É que a empresa está implantando um novo sistema de segurança, onde ele terá acesso aos seus e-mails, telefonemas, agenda e também será instalada uma câmera em cada sala para acompanhar o movimento durante o horário expediente, mas ele precisa do ok de todos os funcionários. Por você, tudo bem?
Por algum motivo essa pergunta hoje de manhã me lembrou a época em que eu cheguei aqui em Portugal. Fazia muito frio, eu não conhecia ninguém, não entendia nada que os portugueses falavam e a minha única chance de conversar com alguém era o msn. Graças ao horário de verão, a diferença de fuso era de 4 horas, ou seja, quando todos os meus contatos do Brasil chegavam do trabalho e acessavam o computador, aqui já era madrugada. Nesse período eu morava num albergue, num prédio muito antigo, meu quarto era no quinto andar e a sala de informática era no térreo. Fui avisada que as luzes e os elevadores eram desligados sempre à meia-noite. Quando meus contatos estariam entrando no msn.
Eu tinha três alternativas:
a) Não entrar no msn e morrer de solidão;
b) Dormir na sala de informática e morrer de frio;
c) Ficar no msn e depois, no meio da madrugada, subir as escadas de madeira de um prédio centenário até o quinto andar. No escuro.
Acrescentando um detalhe ao enredo: eu tenho medo do escuro. Sério. Eu não tenho medo de barata, nem rato, nem de fantasma, nem de ladrão, nem do Roberto Justus, nem do imposto de renda, mas tenho medo do escuro. Muito. Fobia. Eu sei, eu sei, maluquice pouca é bobagem.
No primeiro dia eu deixei o computador de lado, fui para o meu quarto à meia-noite e virei um verme no chão do fundo do poço da depressão. No segundo dia eu dormi na sala de informática abraçada a um aquecedor portátil batendo o queixo feito um cortador de grama e quase morri de hipodermia. No terceiro dia, eu não tinha outra alternativa. Eu tinha que subir as malditas escadas. Já disse que eu tenho pânico do escuro? Pois é. Já disse que eu tenho pânico, agonia, desespero, terror do escuro? Pois é. Não me pergunte como eu cheguei lá em cima.
Daí a pessoa sobe correndo, entra ofegante no próprio quarto, bate a porta e pensa: o pior já passou. Mas o pior não tinha passado. Por que no dia seguinte eu teria que subir as escadas de novo. E no outro dia também e na semana seguinte também, no mês seguinte, todo dia eu ia ter que passar pelos cinco andares daquela espiral dentada das trevas SOZINHAAAA!! SOZINHA, MEU DEUS!!! Era o mundo se acabando em fogo, pranto e ranger de dentes TODO SANTO DIAAAA!!! Mas eu não tinha outra alternativa.
Até que, um dia, eu consegui um quarto em outro endereço. E comprei um notebook. E fui embora do albergue. E a imagem da felicidade platinada era este ser humano acessando o msn de qualquer lugar, no quarto, na sala, no banheiro, na rua, na chuva, na fazenda e teclando na mesa, no chão, no colo e passando a noite on-line e dormindo com o computador no travesseiro, babando em cima e chamando de meu bem. História linda. Final feliz. Mas isso faz algum tempo. E eu nunca mais tinha pensado nesse assunto, até hoje de manhã, na reunião. Acho que toda vez que alguém me fizer uma pergunta que não me dá nenhuma liberdade de resposta, nenhuma opção, nenhuma outra alternativa, eu vou sentir esse frio na espinha de quem vai subir uma escada no escuro.
Parece que o medo da solidão é maior que o medo do escuro…
🙂
Se me permite a ousadia, recomendarei um texto:
http://www.palavrasdeosho.com/2009/12/estranhos-nos-mesmos.html
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