Todos os fatos que me aconteceram esta senama só reforçam a minha teoria sobre o perigo dos relacionamentos antigos. Quanto mais passado existir, mais pólvora na bomba. Digamos que você marca um compromisso com um desconhecido e ele atrasa. Quando ele chegar, você pode reclamar, dizer o quanto ficou esperando e a discussão de vocês vai ser sobre o atraso em si. Mas se um conhecido de longa data te deixa de molho, inevitavelmente a conversa vai descambar para questões anteriores: de quantas vezes a pessoa já falhou com você, citar dois ou três exemplos disso, falar das suas mágoas passadas e outras histórias que nada tem haver com o próprio atraso e, por isso mesmo, a discussão tem muito menos chances de terminar bem.
Um histórico longo faz com que as pessoas percam a capacidade de analisar os episódios de maneira isolada em detrimento do contexto inteiro. Nada contra relacionamentos antigos. Até por que esta teoria tem dois lados: natural que os afetos de muito tempo também explodam com muito mais densidade do que os recentes. Digamos que, sei lá, alguém te dá um presente. Quanto mais antiga a relação, menos a satisfação vai girar em torno do presente em si – mas em torno do laço construído, da história em comum, do contexto. Será mais intenso. Quanto mais passado existir, mais pólvora na bomba.
Penso nisso com algum arrependimento quando lembro que escolhi Portugal como destino de viagem. Nada contra Portugal, mas é que há passado demais nessa relação. Os séculos de brigas, acordos, encontros e desencontros entre essas duas nações lhes tiraram a capacidade de analisar os episódios de maneira isolada. E o episódio isolado em questão, no momento, sou eu! Se eu tivesse ido morar, sei lá, na Polônia, seria mais fácil, por que eu tenho uma noção vaga do que sejam os poloneses, imagino eles tenham uma noção vaga do que sejam os brasileiros e suponho que o tratamento que eles me dariam estaria muito mais condicionado às minhas características pessoais do que ao meu passaporte. E virce-versa. Assim, nós nos adoraríamos ou nos detestaríamos graças à nossa relação em si e não a uma série de fatos históricos de um passado que nenhum dos dois pode mudar.
É certo que, se Brasil e Portugal não tivessem uma história em comum, não haveria essa sensação de reencontro: os livros de Machado na prateleira deles, os livros de Pessoa na nossa cabeceira, nem tantas músicas em comum, nem essa arquitetura que nos faz subir Alfama como quem volta pra casa, nem um Atlântico inteiro de amor e ódio entre duas culturas que já não sabem bem onde termina uma e começa a outra. Não haveria nada disso. Mas haveria certa curiosidade desarmada, o deslumbramento pelo exótico, coisas que só existe entre duas pessoas que acabaram de se conhecer.
Amei o texto.
Bjs!!
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