Partimos pouco antes do vulcão da Islândia detonar e interditar os aeroportos da Inglaterra. Depois da aterrisagem, fui direto pra casa para (descansar? dormir? matar as saudades?) lavar a roupa. Não vai dar tempo de muita coisa por hoje de noite tem outro vôo. Se não interditarem o de cá também.
Será uma madrugada agitada: vôo com escalas, mais pernoite no chão do aeroporto, mais 3 horas de trem, talvez uma balsa, café da manhã em Madrid, almoço em Marrakech, jantar em Casablanca – falo em refeições por força de expressão, tenho uma memória vaga do que seja um garfo ou uma faca – e o céu de chumbo desabando. No caminho pra casa, a água ultrapassando o asfalto, invadindo as calçadas e subindo os degraus das escadas das igrejas, os carros buzinando, gente correndo, pais carregando crianças já grandes nas costas. Lisboa está meio deserta. Depois dos desastres na Rússia, na China, no Chile e no Mexico, as pessoas saem cada vez menos de casa, os supermercados pedem doações para a Madeira e ninguém nem fala mais do Haiti. Por aqui o chão voltou a tremer, mas o epicentro foi no mar, nada grave. Só chove muito. Um dilúvio. Não foi o sertão, foi o céu quem virou mar.
No caminho de volta para o aeroporto dá para lembrar de 2012 e de tantas coisas loucas que a gente ouve por aí, da janela do ônibus dá pra ver dentro de uma farmácia os funcionários colocando os remédios na prateleira mais alta. Um acidente de carro derrubou uma caixa do correio e as cartas seguiram boiando feito barcos de papel, todo mundo olhando tudo de atrás do vidro, todo mundo calado, o trânsito parado. Um homem de gravata salta de um taxi e sai andando até um edifício alto – enquanto o mundo inunda ainda há gente pensando em ganhar dinheiro? Sempre há. Os ônibus desligam os motores, depois os carros desligam os motores. Não há muito o que fazer. Confiro o relógio. Faltam 2 horas para o embarque.
Nesse momento, impossível não pensar nas incontáveis vezes em que esta viagem quase aconteceu. Em anos diferentes, por motivos diferentes, eu sou o ser humano que mais quase foi à Àfrica. Um desses enredos de obsessão e desencontros que fazem a pessoa acreditar em palavras evazivas como destino, sina ou predestinação. Sim, por que as justificativas racionais já estão esgotadas. E acho que, pior do que conviver com tantas tentativas frustradas, é ter que atender à curiosidade alheia: mas por que é mesmo que você quer ir para lá? Por que sim. (Nessas horas, eu disponho de 2 ou 3 segundos para escolher que justificativa dar): por que, segundo os cientistas, a Pangéia, o mega continente ancestral que originou os outros 5, ficava lá. Ou por que, segundo as coordenadas cartográficas do livros do Gênesis, o paraíso de Adão e Eva ficava lá. Ou por que, também segundo as coordenadas cartográficas do Apocalipse, o paraíso vai ser de novo lá. Ou por que, um dia, um tal Jesus Cristo, o filho de Deus, nasceu lá. Por que o mundo começa e termina lá. E eu poderia ficar aqui enumerando milhares de fatos (ainda que reais e relevantes) como se eles fossem necessários, como se o melhor argumento do universo não fosse: por que eu quero. Como se querer algo absoluta, burra e cegamente não fosse o único propulsor para tudo o que as pessoas fazem de relevante na vida. A maioria das pessoas que eu conheço não casaram por que tinham um bom motivo. Nem tiveram filhos graças a um bom argumento. Não amaram nem odiaram por razão explicável e, mesmo em escolhas banais como gostos ou compras, o quesito necessidade não estava em pauta. Mas a gente sempre precisa citar um motivo. E a questão é que, quanto menos clichês forem os seus desejos, mais você vai ter que gastar tempo e imaginação para inventar as justificativas.
Agora uma árvore caiu na pista, bloqueou o entroncamento e as pessoas estão abandonando os carros. Da janela dos edifícios uns meninos desenham nos vidros embaçados como se nada disso estivesse acontecendo, o semáforo abre, o semáforo fecha, meu ônibus não se move. Faltam uma hora e quarenta minutos. Tudo caminha para o caos, mas, por algum motivo, dessa vez eu acho que as coisas vão dar certo. Amanhã eu vou à Àfrica. Depois de amanhã, o mundo já pode acabar.
Uau! Eu relamente não imaginava como poderiam ser esses eventos vistos assim tão de perto!! Que Deus continue a te guardar e iluminar… E sim, tudo vai dar certo!
Abraços
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E Ai????? tô curiosa!!! e tb quero saber de Marrocos.. talvez vá lá ano que vem…. bjs Iva
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