Acho que uma das minhas vaidades mais sinceras é receber boas indicações. Tipo, numa conversa, alguém bate no seu ombro e diz: leia o livro tal, é a sua cara. Ou ouça aquele disco. Ou visite àquele local. É claro que uma boa indicação pode ter diversas motivações (as preferências do interlocutor, o tipo de relação entre vocês, algum fato isolado), mas gosto de pensar que tem a ver com identidade. Com quem você é. (Ou pensam que você é).
Estes dias me indicaram o filme Adaptação e eu achei genial. Há diálogos ótimos:
– Para escrever sobre uma flor, mostrarei sua trajetória, algo que remonte aos primórdios da vida. Como a flor chegou aqui? Deduzo que todos os seres orgânicos que já viveram até hoje neste planeta são descendentes de uma mesma forma ancestral que adiquiriu vida num processo de evolução e adaptação. Uma jornada que todos empreedemos e que nos une a todos. Segundo Darwin, viemos todos do primeiro protozoário. E aqui estou eu. E estão o Laroche, a Orlean, a orquídea fantasma… todos presos em nossos corpos, presos em momentos da história. (…) Nós partilhamos o mesmo DNA. Meu Deus, e existe coisa mais solitária do que isso?
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– Darwin escreveu sobre essa orquídea.
– Charles Darwin, o cara da evolução?
– Sim. Segundo Darwin, uma mariposa com um bico de 30 centímetros a polinizava. Todos o chamaram de louco, até que acharam uma mariposa com uma probóscide de 30 centímetros. Quer dizer, bico.
– Eu sei o que quer dizer.
– Não mude de assunto. Não é disputa de quem mija mais longe. O que é maravilhoso é que essas flores têm uma relação especial com o inseto que as poliniza. Cada orquídea se parece com um tipo de inseto que é atraído por ela. Seu duplo, sua alma gêmea. Tudo que ele quer é encontrá-la. Daí ele voa, a avista e a poliniza. Nem a flor nem o inseto jamais percebem a importância deste ato, como saberiam que a sua dança dá vida ao mundo? E dá. Fazendo o que foram programados pra fazer, algo magnífico acontece. Eles nos ensinam a viver. É isso. Quando vir a sua flor, não deixe que nada se interponha no seu caminho.
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– Sabe por que gosto de plantas? Por serem tão mutáveis. A adaptação é um processo profundo. Temos de descobrir como sobreviver no mundo.
– Mas é mais fácil para as plantas, elas não têm memória. Apenas passam para a fase seguinte. Mas para as pessoas adaptar-se é quase vergonhoso, é como fugir!
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– Existem idéias, coisas e pessoas demais. Caminhos demais a seguir. Comecei a achar que é importante gostar de algo com paixão, pois isso reduz o mundo a um tamanho administrável.
A verdade é que a gente nunca sabe exatamente qual foi o ponto da trama que o interlocutor achou que seria “a sua cara” – pode ter sido a narrativa (confusa) ou a cronologia (invertida) ou algum dos protagonistas (o agricultor megalomaníaco ou o roteirista depressivo ou a escritora prolixa) – mas isso não importa. Importa é que algo num bom filme lembrou a mim. Não é uma vaidade justa? Cada vez que alguém me indica uma obra inteligente, eu ganho uma nova razão pra me tornar uma pessoa insuportável.

Mari,
Voltei a medeliciar com suas crônicas! bj
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