Vamos imaginar o seguinte: estamos no Brasil de 1700. Somos uma colônia. Éramos uma terra livre, fomos invadidos e agora somos explorados pelo nossso colonizador que nos mantém escravos, analfabetos e pobres. Você já conhece essa história, certo? Mas, digamos que o nosso colonizador, um belo dia, resolve abandonar o território. Por uma decisão política qualquer, embarca de repente numa grande caravela de volta para Portugal. O que iria acontecer?
Antes do primeiro movimento para caminhar com as próprias pernas, o Brasil seria invadido. Claro. Por qualquer outro país – sei lá, Argentina, Perú, Chile – por que tudo o que um governo capitalista sonha na vida é ter um vizinho desamparado. E eles invadiriam a casa aos tropeços. Todos de uma vez só, roubando as panelas, o fogão, a geladeira, até começarem a brigar entre si por um lugar no sofá, por uma guloseima da dispensa. E, antes que a briga ficasse mais séria, dividiriam os espaços entre si, um quarto pra um, uma sala para o outro, pronto. Selariam um acordo de paz. E coabitariam com relativa tranquilidade sobre o vasto chão do Brasil.
E os brasileiros? Não sei. Ninguém lembrou do que fazer com eles.
Obviamente essa história não aconteceu conosco, mas aconteceu numa outra colônia: o Saara Ocidental. Em 1975, quando a Espanha abandonou repentinamente a nação sem deixar qualquer infra-estrutura, os vizinhos Marrocos e Mauritânia avançaram sobre o território. Diriam os nativos: “como abutres sobre um moribundo”.
Os sarauís, agora livres da Espanha, queriam a independência. Independência ou morte – a gente também conhece essa história. Trinta e cinco anos depois, dez mil mortos depois, os camelos viraram modernos tanques de guerra e, apesar da retirada da Mauritânia, Marrocos continua lá. Irredutível. Espalhado no sofá da sala, erguendo o controle remoto.
Semana passada o governo de Marrocos incendiou outro acampamento sarauí e, neste sábado, milhares de manifestantes do mundo inteiro protestaram em Madrid com gritos de “Marrocos culpado, Espanha responsável”. O ator Javier Bardem liderou os protestos. Ontem, o governo português pediu para que ninguém cruze a fronteira, já que Marrocos não se voltou apenas contra os espanhóis, mas contra todos os ocidentais. Em comunicado, Marrocos restringe a entrada da imprensa ao Saara e os jornalistas são expulsos: eles acreditam que bloquear a informação é o primeiro passo para a dominação. Um viajante francês é morto gratuitamente. Todos os jornais do mundo passam o domingo se movimentando em torno da polêmica e alguns me perguntam qual a posição do Brasil sobre o tema. Pesquiso. Não encontro quase NADA nos jornais brasileiros sobre o assunto. E ligo para as redações:
– Alguma capa sobre os sarauís?
– O que são sarauís?
– O que diz a capa do A Tarde de hoje?
– Que o Bahia se classificou.
– E o Correio?
– Que o Bahia se classificou também.
– E a Tribuna?
– Idem.
– Nada sobre o Saara?
– Que Saara?
– Ok. Obrigada.
Às vezes eu penso que algumas nações nunca recuperaram o controle remoto.
Muito bom amiga.
CurtirCurtir