“Se eu tivesse um bar, ele teria o seu nome. Se eu tivesse um barco, ele teria o seu nome. Se eu comprasse uma égua, daria a ela o seu nome. Minha cadela imaginária tem o seu nome. Se eu enlouquecer, passarei as tardes repetindo o seu nome. Se eu morrer velhinho, no suspiro final balbuciarei o seu nome. Se eu for assassinado com a boca cheia de sangue, gritarei o seu nome. Se encontrarem meu corpo boiando no mar no meu bolso haverá um bilhete com o seu nome. Se eu me suicidar, ao puxar o gatilho, pensarei no seu nome. A primeira garota que beijei tinha o seu nome. Na sétima série, eu tinha duas amigas com o seu nome. Antes de você, tive três namoradas com o seu nome. Na rua, há mulheres que parecem ter o seu nome. Na locadora que frequento, tem uma moça com o seu nome. Às vezes, as nuvens quase formam o seu nome. Olhando as estrelas, é sempre possível desenhar o seu nome. O último verso do famoso poema de Éluard poderia muito bem ser o seu nome. Apollinaire escreveu poemas a Lou porque, na loucura da guerra, não conseguia lembrar o seu nome. Não entendo por que Chico Buarque não compôs uma música para o seu nome. Se eu fosse um travesti, usaria o seu nome. Se um dia eu mudar de sexo, adotarei o seu nome. Minha mãe me contou que, se eu tivesse nascido menina, teria o seu nome. Se eu tiver uma filha, ela terá o seu nome. Minha senha do e-mail já foi o seu nome. Minha senha do banco é uma variação do seu nome. Tenho pena dos seus filhos porque, em geral, dizem “mãe” em vez do seu nome. Tenho pena dos seus pais porque, em geral, dizem “filha” em vez do seu nome. Tenho muita pena dos seus ex-maridos, porque associam o termo ex-mulher ao seu nome. Tenho inveja do oficial de registro que datilografou pela primeira vez o seu nome. Quando fico bêbado, falo muito o seu nome. Quando estou sóbrio, me controlo para não falar demais o seu nome. É difícil falar de você sem mencionar o seu nome. Uma vez sonhei que tudo no mundo tinha o seu nome. Coelho tinha o seu nome. Xícara tinha o seu nome. Teleférico tinha o seu nome. No índice onomástico da minha biografia haverá milhares de ocorrências do seu nome. Na foto de Korda, para onde olha o Che senão para o infinito do seu nome? Algumas professoras da USP seriam menos amargas se tivessem o seu nome. Detesto trabalho porque me impede de me concentrar no seu nome. Cabala é uma palavra linda, mas não chega aos pés do seu nome. No cabo da minha bengala gravarei o seu nome. Não posso ser niilista enquanto existir o seu nome. Não posso ser anarquista se isso implicar a degradação do seu nome. Não posso ser comunista se tiver que compartilhar o seu nome. Não posso ser fascista se não quero impor a outros o seu nome. Não posso ser capitalista se não desejo nada além do seu nome. Quando saí da casa dos meus pais, fui atrás do seu nome. Morei três anos num bairro que tinha o seu nome. Espero nunca deixar de te amar para não esquecer o seu nome. Espero que você nunca me deixe para eu não ser obrigado a esquecer o seu nome. Espero nunca te odiar para não ter que odiar o seu nome. Espero que você nunca me odeie para eu não ficar arrasado ao ouvir o seu nome. A literatura não me interessa tanto quanto o seu nome. Quando a poesia é boa, é como o seu nome. Quando a poesia é ruim, tem algo do seu nome. Estou cansado da vida, mas isso não tem nada a ver com o seu nome. Estou escrevendo o quinquagésimo oitavo verso sobre o seu nome. Talvez eu não seja um poeta a altura do seu nome. Por via das dúvidas, vou acabar o poema sem dizer explicitamente o seu nome.”
(Fabrício Corsaletti / Seu Nome)
A Companhia das Letras publicou o texto neste vídeo aqui.
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