“Brincávamos a cair nos braços um do outro, como faziam as atrizes nos filmes com o Marlon Brando, e depois suspirávamos e ríamos sem saber que habituávamos o coração à dor. (…) Eu ainda te disse que me doíam os braços e que, mesmo sendo o rapaz, o cansaço chegava e instalava-se no meu poço de medo. Tu rias e caías uma e outra vez à espera de acreditares apenas no que fosse mais imediato, quando os filmes acabavam, quando percebíamos que o mundo era feito de distância e tanto tempo vazio, tu ficavas muito feminina e abandonada e eu sofria mais ainda com isso. Estavas tão diferente de mim como se já tivesses partido e eu fosse apenas um local esquecido sem significado maior no teu caminho. (…) Caía eu nos teus braços, fazias um bigode no teu rosto como se fosses uma “Marlon Brando”. Eu, que te descobria como se descobrem fantasias no inferno, não queria ser beijado pelo Marlon Brando e entrava numa combustão modesta que, às batidas do meu coração, iluminava o meu rosto como lâmpada falhando.
A minha mãe dizia-me: Valter, tem cuidado, não brinques assim, vais partir uma perna, vais partir a cabeça, vais partir o coração.
E estava certa, foi tudo verdade.”
(Valter Hugo / Brincávamos a cair nos braços um do outro)
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