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Posts Tagged ‘gentileza’

Adoro quando as pessoas usam vocábulos excessivamente educados para sublinhar instintos assassinos implícitos. “O senhor pode sair da frente, POR GENTILEZA?”. Em 100% dos casos, expressões como “por gentileza” poderiam ser facilmente substituídas por palavras de baixo calão sem nenhum prejuízo para o entendimento das frases. “O senhor poderia abaixar o som, SEU MERDA?”. “É possível servir um café com menos açúcar, CARALEO?”. Aliás, não conheço ninguém que use uma expressão tão formal com naturalidade. Se um ser humano te cumprimenta e introduz o diálogo com “por gentileza”, alerta máximo: tire os fones, gire a cadeira e preste muita atenção, por que o cara vai te falar sobre algo querendo dizer uma outra coisa. É cilada. Não vacile.

Pior de tudo: eu não consigo ouvir essa palavra sem me lembrar daquele lunático que pintava os viadutos do Rio de Janeiro com mensagens proféticas e assinava como “Gentileza”. Barbudo, esfarrapado, revoltadíssimo, andando pelas filas da Tiradentes bradando que os descrentes iam ser espetados pelos córneos do capeta, que todo mundo ali era puta-viado-maconheiro e que, se não se convertessem, iam morrer todos com a espada da justiça divina atravessando os miolos. Esse era o Gentileza, sempre gentil. Pregando o amooooor na base da ofensa. Pedagogia válida, ganhou até museu.

Pois bem, esse cara morreu faz uns anos. Na adolescência, sempre passei as férias de verão no Rio de Janeiro e era presença certa nestes circuitos da cidade, mas, infelizmente, nunca tive a oportunidade de cruzar com tal cavalheiro para assombrar a minha juventude. Não sei por quê. Talvez, nas circunstâncias da época, ter um louco bradando que eu era pecadora e iria queimar no fogo do inferno fosse uma sentença meio redundante. Sei lá.

Dois mil séculos se passaram e o Gentileza continuou sendo, pra mim, a personificação da comunicação truncada. A evidência desta capacidade que as pessoas têm de expressar uma coisa desejando exatamente o contrário. O cara fala de amor, esperança, fraternidade e te manda para o inferno no mesmo parágrafo – o que pode ser mais esquizofrênico? Só essa galera que te aborda com o brilho da insanidade no olhar e te pede, com um sorriso doentio e uma voz metálica, pra você não pisar com o pé sujo no tapete, POR GENTILEZA.

Sempre fico tentada a também bancar a esquizofrênica e fazer exatamente o contrário. Só pra poder dizer “Opa, caro senhor, ME DESCULPE” com o mesmo sorriso metálico, insano e educadíssimo. Pagar maluquice com maluquice. Gentileza gera gentileza.

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