O médico leu os exames, balançou a cabeça e falou sobre paz. Disse que eu precisava desacelerar, que era necessário para minha saúde e, dessa vez, proibiu de dirigir, de trabalhar, de andar sozinha na rua e de arranjar problemas – deve estar descrita na minha testa a minha capacidade de arranjar problemas. Prescreveu um mês de vida monástica, restringindo o computador e as festas. Falou sobre descanso. Faltou encomendar o epitáfio.
Desde então, passo o dia olhando para o teto e planejando megalomanias.
A única vez em que vivi algo parecido foi depois de um acidente de trabalho – os meses na cadeira de rodas me deram material para projetos desbaratados, que incluíam ir embora sozinha, morar em casebres, escalar vulcões e comer gafanhotos assados no deserto. No dia em que recebi alta, fui placidamente trabalhar sem nem lembrar do assunto. Um tempo depois, por motivos que me pareciam externos e desconectados, tudo aquilo se concretizou. Até a parte do casebre. E do vulcão. E do gafanhoto assado.
Aqui, eu passo o dia inteiro olhando para o teto, completamente sozinha. Planejo todos os problemas em que vou me envolver este ano. Tem algo dentro da gente que não esquece, que guarda qualquer disparate. Eu observo a tudo bem quieta. Meu médico não sabe o que está criando.