Tudo que não nos mata nos torna mais fortes. Quase sempre é assim. Mas há também o que nos mate aos poucos, lentamente, feito ferrugem consumindo os dedos das estátuas. A gente sabe que está morrendo um pouco mais e se conforma. E se entrega. Abandona-se como num banho de chuva envenenada, deixando-se encharcar por todos os poros, pressentindo o mal infiltrando-se no corpo inteiro. Para, um dia, deixá-lo escapar assim, de repente, pelo canto dos olhos.
A gente morre um pouco quando viaja calado, olhando a paisagem, completamente distante. Ou no caminho solitário para o trabalho. Ou no silêncio da TV desligada. Toda vez em que corpo e alma não ocupam o mesmo lugar a gente morre um pouco – por saudade.
Se lembrança é uma fotografia que guardamos num álbum empoeirado, saudade é uma 3×4 que carregamos no bolso da camisa todos os dias. Faz as horas e os espaços maiores, intermináveis. Deixa-nos vazios, feito um pátio de escola durante as férias de verão. Saudade é quando não encontramos em nosso próprio vocabulário palavras maiores que o silêncio. E, por isso, mantemos o silêncio.
Ela está no desamparo que nos abate quando temos tempo livre e não sabemos o que fazer com o fim de tarde ocioso. Está na chuva fazendo desenhos estranhos no vidro da janela. Na tecla repeat do seu aparelho de som. No saguão dos aeroportos. Na sua caixa de e-mails cheia de mensagens inúteis. Na solidão costumeira do seu dia-a-dia, em qualquer espaço vazio dentro da sua alma – a saudade vai estar lá.
Nestes momentos, sem querer, você vai se pegar imaginando a sua vida se você não tivesse tomado o rumo que tomou. E vai se perguntar como foi parar no lugar onde está. E vai fazer de conta que não se importa em colecionar sonhos desfeitos, que não se perfuma todos os dias para este encontro com o passado. Que, às vezes, não se sente de pé, estendendo um presente enfeitado entre as mãos sem ter a que entregá-lo, por que o amor ficou, mas a pessoa amada não.
Depois, em alguns momentos, você irá se pressionar a decidir se continua sofrendo, se esquece tudo pra tentar ser feliz ou se compra uma bicicleta. E acabará sofrendo um pouco mais, por causa da dúvida. Sem opção, vai tocar a vida pra frente. Sim, você construirá novos sonhos, fará planos, até se sentir seguro e confiante. Para, um dia, ouvir certa música tocar novamente. E estremecer. E descobrir que não passou.
Saudade é uma promessa que não dá mais pra cumprir. É o inferno de quem não aprendeu a esquecer. É esta vontade louca de morar dentro daquela fotografia, é não saber se somos lembrados e, mesmo assim, não conseguir acomodar a lembrança do outro dentro do baú. Saudade é morrer um pouco a semana inteira e, no final, não saber se vivemos sete dias ou o mesmo dia sete vezes. É morrer vagarosamente, e, ainda assim, permanecer sólido. E grande, como as estátuas. Por que morrer de saudade também é uma forma de morrer por amor.
Pensando bem, aquilo que nos mata também pode nos tornar mais fortes.
[…] de um textinho antigo do […]
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Adorei esse… porque será?!?!
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