Feeds:
Posts
Comentários

Archive for the ‘raspas e restos (crônicas)’ Category

– Bom dia, prefere janela ou corredor? Devemos reservar lugar para mala ou mochila? Pretende incluir bagagem de porão?

Viagens exigem muitas decisões. Para quem tem dificuldade de escolher, o aeroporto pode se tornar um gabarito infernal.

– Fechadura tradicional ou cartão magnético? Qual é o valor aceitável para um transfer? Deseja que o seguro inclua cobertura contra acidentes nucleares?

Escolher um destino geralmente é simples, o mundo é cheio de lugares maravilhosos. Mas aí começa a sabatina. A escolha do transporte, do número de dias, da época do ano. Mas acho que escolher hospedagem é especialmente difícil. Hospedagens espelham o nosso momento de vida.

Eu mesma sempre gostei de hospedagens exóticas, não entendia por que as pessoas renunciavam a perambular por cidades multiculturais para se sedentarizar em ambientes pasteurizados, tipo um navio ou um resort. Mas, vejam só, eu era jovem. Hoje, a ideia de peregrinar por metrópoles caóticas carregando crianças e brinquedos me parece exaustiva. E também me pergunto se gostaria de transitá-las na terceira idade – só de imaginar as montanhas russas girando e piscando sob música eletrônica já me causa labirintite. A verdade é que passei a gostar de locais distantes e paradisíacos. Refúgios que só seriam viáveis para mim se tivessem, pelo menos, um parquinho infantil. E um posto médico. E janelas com telas de segurança. E atributos que, vejam só, me fazem lembrar um resort. 

Outra questão é o número de viajantes. Descobri que, quanto maior o grupo, menor a liberdade. Numa equipe de 10 pessoas, a vontade de cada uma irá vigorar em 10% do tempo. Imagino que ninguém parcelou as suas férias em 12x para ter autonomia sobre apenas 10% do roteiro. Menos gente, mais autonomia.

E a época do ano? Alta estação ou baixa estação, verão ou inverno. E as festividades locais? Época das monções, das turbulências políticas, da temporada de ski, promoções da companhia aérea, atrações que só funcionam em uma parte do ano. É um quiz infinito.

Deixo as malas no saguão ou encaminho para o quarto? Café da manhã incluído ou abatimento de 10% na diária? – às vezes, eu gosto de ouvir relatos de viagem de outros viajantes. São reveladores, narram muitas escolhas acumuladas em poucos dias, são como abrir um diário. 

Por exemplo, eu nunca fui à Argentina. E sempre pergunto às pessoas: como é a Argentina? Há o viajante que fala da gastronomia, outro que fala sobre a organização do trânsito, outro sobre as pessoas de olhos azuis. Há quem fale sobre a paz das vinícolas, do terrível derretimento das geleiras ou das vantagens de câmbio inacreditáveis. Existe quem economizou a vida inteira para conhecer e quem só viajou para lá por que o euro estava caro demais. Freud diz que “quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais sobre Pedro do que sobre Paulo”. E talvez a minha pergunta nunca tenha sido sobre a Argentina. 

Talvez viagens nunca sejam sobre destinos, mas sobre escolhas. Acho que é por isso que eu tenho aflição de blogueiro dizendo que viajar é simples e acessível – não é – e medo de parecer idiota para quem tem dinheiro, mas outras prioridades – insira aqui o consumo classe média da sua preferência. Mas meu pior pesadelo é conversar com quem confunde vivência com consumo. Quem hierarquiza cidades pelo valor de ostentação. “O valor de uma cidade é a resposta que ela dá às nossas perguntas” (Ítalo Calvino).

A gente viaja para poder escolher, viagem é o paraíso do livre-arbítrio. Você pode incorporar o banhista empolgado que anoitece na praia ou o aventureiro escalando cachoeiras ou o sedentário que só levanta para não perder o café da manhã do hotel. Pode ser o crítico de arte de todos os museus ou o flanêur que senta na calçada para ver as pessoas passarem. Não há certo nem errado. Quando for planejar a sua próxima viagem, não pense no lugar, só pense em quem você quer ser. 

Deus criou destinos lindíssimos. Você pode escolher a Argentina que quiser.

.

.

.

Read Full Post »

Perguntei se ela não pensava em morar de novo no Brasil, mas ela disse que não. Que ela até queria muito, mas que ser uma estrangeira com cara de gringa andando por Salvador chamava atenção de um jeito insuportável. Me fez lembrar Lispector, no conto Tentação: “Ser ruivo numa terra de morenos era uma revolta involuntária”. Me fez lembrar como é uma merda não se sentir incluído.

A gente havia se conhecido anos antes, quando ela ainda morava em Salvador, num apartamento sem móveis onde estava acontecendo uma típica festa estranha com gente esquisita. Nem me perguntem como fui parar lá. Eu não conhecia ninguém e sentei no chão ao lado de uma figura com sotaque francês que me ofereceu – um drink? uma cerveja? um cigarro? – uma flor de papel crepom para colocar no cabelo e foi falando comigo como se tivéssemos continuando uma conversa anterior – pois a aula de percussão foi mesmo incrível, mas você também não acha super difícil tocar bongô? – Olha, eu acho quase impossível.

Dias depois, nesta cidade de três milhões de habitantes, nos encontramos por acaso dentro de um ônibus lotado e eu lhe estendi o meu número de telefone anotado:

– Bora marcar num café para terminar aquele papo, sábado estava impossível conversar naquele lugar aleatório. 

– Aquele lugar aleatório era a minha casa kkkkk e, sim, a gente pode se encontrar de novo!

E nos encontramos. No bar, depois da faculdade. Em outras festas estranhas. Nos albergues lotados, cachoeiras, a gente tem foto em todo lugar. Quando ela desistiu de morar no Brasil e voltou para a Europa, foi minha vez de emigrar para um apartamento sem móveis do outro lado do mundo. Ela foi me visitar e ficou dormindo num colchão na sala vazia. Acordava cedo, fazia café e ficava na janela falando de um jeito filosófico:

– Você precisa mudar de endereço…

– Como assim? Esse apartamento é enorme, tem fogão eletrônico!

– Não tem paisagem na janela. Quando você lembrar do país em que viveu, sua primeira lembrança não vai ser a dos pontos turísticos, vai ser da paisagem da sua janela.

Eu olhei pela janela. E entendi do que ela estava falando. Um mês depois, eu já estava morando em outro lugar. 

– O que achou do meu endereço novo?

– Menos aleatório.

Uma vez, quando a gente andava pelas ruas de Lisboa de madrugada, ela implicou que eu precisava conhecer Paris.

– Soube que Paris fede e é cheia de gente mal educada. 

– Isso é bem verdade. Mas é muito perto daqui, você precisa ir.

– Fazer o quê lá??

– Talvez para poder falar mal com mais propriedade. Existem experiências nessa vida que são emblemáticas demais para a gente nem experimentar.

E eu fui a Paris uma vez, depois fui de novo. Nunca deixei de falar mal, mas tinha muito mais elementos para dissertar o meu descontentamento. Detestava a capital da França dessa maneira apaixonada com que a gente odeia algo que é grandioso demais para ser ignorado. Era um prazer descrever cada rua, cada cafeteria, cada esquina de marquises vermelhas e o quanto elas eram insuportáveis, eu tinha material para reclamar uma vida inteira. Voltei uma terceira vez só para ter mais argumento.

Ironicamente, a cidade a quem eu devotava os meus melhores elogios me decepcionou. A volta para Salvador foi de uma desolação kafkaniana, foi como adentrar uma vila abandonada. As portas estavam emocionalmente fechadas, as ruas desertas, não havia mais nada. Quando Gaelle me ligava falando da sua vontade de voltar para a Bahia, eu falava da minha vontade de ir embora da Bahia. Depois, a gente ponderava. Havia isso de não nos destacar, o privilégio de ser mais um. Ela reconhecia que era melhor para ela estar na França e eu reconhecia que era melhor para mim estar no Brasil. A gente já sabia o quanto era uma merda não se sentir incluído.

Agora, ela me ajudava com as tarefas de correspondente, eu enviava as revistas pelo correio para ela praticar o português. E eu imaginava a gente envelhecendo nos dois lados do Atlântico, espelhos invertidos, pessoas que tinham o mundo nas mãos, mas que optaram pelas próprias aldeias. Nunca soube ao certo se isso seria um final feliz. Na verdade, nunca me ocorreu que poderia ser um final.

Hoje, eu estou de coração partido. Como não sentia há alguns anos, as portas fechadas, as ruas desertas. Ninguém do outro lado da linha. Com aquela urgência de viver que só uma morte próxima nos trás. Existem experiências nessa vida que são emblemáticas demais para a gente não experimentar – mesmo que sejam breves, mesmo que não durem para sempre. São vivências tão grandiosas que não podem ser ignoradas. Nunca foi sobre Paris, sempre foi sobre a presença dela.

Hoje, eu fiquei mais só deste lado do Atlântico. Sozinha nesta festa estranha. O mundo inteiro é um lugar aleatório. Sem nenhuma paisagem na janela.

Read Full Post »

Encontrei-o morto na sala. Tranquei a porta antes que as crianças entrassem, cobri com um pano, enxuguei a poça de sangue. O gato estava duro, os olhos vidrados, devia estar há uns 3 dias ali na sala do sítio, coloquei o corpo dentro de um saco plástico. As malas ainda estavam no carro, duas da tarde, eu de pé com aquilo na mão sem saber que destino dar. Não costumo encontrar cadáveres dentro de casa, não tenho intimidade com o protocolo.

Aquele era um bichano que aparecia no sítio em noites de sábado. Ele ficava arranhando a porta, exigia leite de um jeito orgulhoso, as crianças o alimentavam e ele sumia logo depois. Me lembrava os austeros gatos egípcios e batizei-o de Pedante, mas ele não era meu. Personalidades assim nunca têm um dono. Será que passou mal? Morreu de frio? Jamais saberei o destino do bichano.

Saí da casa pelos fundos e fui abrindo caminho no mato com o embrulho. Jogar fora ou enterrar? Enterrar seria mais respeitoso e evitaria que os urubus ficassem rondando a casa. A voz das crianças jogando bola com o pai ao longe, talvez desse tempo de terminar o serviço sem ninguém perceber. Eu nunca havia usado uma pá. Também não costumo enterrar cadáveres no jardim, outra vez sem intimidade com o protocolo.

Pedante estava pesando dentro do saco, dizem que corpos mortos sempre parecem pesar mais. E parecem maiores. E, principalmente, nunca deixam dúvidas. Olhando de longe você sabe quando um corpo está sem vida, acho que, nos filmes, os personagens sacolejam o defunto tentando reanimá-lo apenas para dar mais ênfase ao drama, obviamente sabem que não há mais nada ali. Era como carregar um boneco. E como era difícil fazer uma cova. Não entendia a expressão – “confio muito em fulano, seria quem eu chamaria para enterrar um cadáver comigo” – afinal, por que alguém chamaria outra pessoa para um programa tão macabro? Agora, me parece claro que perfurar uma cova sozinho é quase impossível, você cava, deixa a camisa ensopada e não consegue abrir um palmo de terra. Imagine sete. Fiquei preocupada de algum trabalhador da fazenda vizinha me vir ali e achar estranho, sei lá, uma mulher de cabelos longos e vestido cor de rosa abrindo uma cova perto do rio merecia uma legenda do Nelson Rodrigues. Pedante estava rígido com as pernas esticadas, não cabia no buraco. Era preciso cavar mais. Os urubus começaram a rondar. Eu precisava terminar aquilo.

Voltei com o rosto coberto de terra e sangue seco, tomei um banho – casa vazia, chão limpo, cheiro de água sanitária, fiquei lendo uma revista na varanda. Ninguém daria conta do que houve, economizaríamos lágrimas e traumas infantis. Fiquei refletindo sobre porque raios eu fui enterrar o gato. Não precisava. Eu podia tê-lo jogado no mato ou no rio, não sei o quê em mim precisa encerrar os assuntos de maneira definitiva, a ideia de deixar o corpo no rio era abandonar a questão inacabada, eu encontrei o gato morto, então era eu quem deveria sepultá-lo no meu próprio terreno, era minha responsabilidade. Ao menos, depois de morto, Pedante era meu.

Fim de tarde. As meninas chegaram eufóricas do jogo, arrumaram-se para o jantar, meu esposo fez uma pizza e projetou um filme no muro. Ninguém desconfiou de nada. A noite correu leve com histórias sobre pipas, bicicletas e baleias jubarte que eram do tamanho de um ônibus, com os insetos zunindo à volta da fogueira e árvores crescendo à volta do lago. Estava tudo sob controle. Naturalmente cansados, todos foram se recolhendo para dormir, eu fui trancando as janelas, músculos distendendo-se aliviados. Enfim. Antes de apagar todas as luzes, ainda pude ouvir as últimas conversas no corredor:

– Filha, hoje é noite de sábado, não vai deixar leite para o Pedante?

– Não precisa. Ele não vai mais voltar. 

Read Full Post »

Hoje, há exatos dez anos atrás, eu estava na África, no deserto do Saara, na fronteira com a Mauritânia. A gente havia cruzado o Marrocos de jipe durante o dia e, quando a estrada acabou, continuamos o percurso de camelo. Cruzar a divisa de um país para o outro no meio da madrugada sobre um camelo já seria uma aventura por si só, mas não era só isso. O Saara estava em guerra.

Eu precisava de fotografias e depoimentos de como estavam as comunidades. Pessoalmente, acredito muito nos movimentos de descolonização, inclusive também apoiava o reconhecimento do Saara Ocidental enquanto país soberano, depois de anos de domínio espanhol e marroquino. Esse é um conflito antigo e a independência plena não aconteceu até hoje, mas em 26 de fevereiro de 2010, embalados pela Primavera Árabe, os confrontos recomeçaram e duraram até maio de 2011. Neste período, estive pelas mediações três vezes.

Naquela noite específica, os beduínos montaram uma tenda e ascenderam uma fogueira. O céu estava tão incrivelmente estrelado que me fez elaborar várias teorias aleatórias – tipo, deve ser por isso que a estrela e a lua são símbolos otomanos, observe que os países pós-otomanos estão em torno de desertos e quase todos têm estrelas em suas bandeiras (Marrocos, Mauritânia, Turquia, Paquistão, Jordânia, Argélia etc.) por que a noite num deserto é realmente cinematográfica, olha para isso, está tudo explicado.

Os beduínos estavam cantando e dançando à volta da fogueira, depois serviram um prato de cordeiro com cuscuz em quantidade obviamente insuficiente para doze pessoas e eu fiquei esperando para perguntar aonde a gente iria dormir. Era ali mesmo, na areia. Todos juntos. Estávamos no auge do inverno e, se os doze desconhecidos não dormissem fortemente abraçados, não sobreviveriam ao vento e ao frio. Apenas.

Foi uma noite insana.

A temperatura caiu de repente e eu não conseguia sentir nem os meus dentes. Não tenho ideia de quem eram as pessoas que eu abraçava com vigor e que me impediram de morrer de hipotermia. Eu estava usando todas as minhas roupas sobrepostas e, depois que todos dormiram, como se não houvesse problemas o bastante, eu precisei me levantar para procurar um banheiro. Não preciso dizer que não havia banheiro. Fui me desvencilhando de braços e pernas de estranhos até conseguir ficar de pé. Aí eu olhei em volta.

Eu nunca tinha visto nada parecido.

Uma madrugada clara e brilhante. Extraordinária. A noite no deserto não era de céu negro como a noite na cidade, era de um azul forte com manchas roxas, um emaranhado de galáxias. A lua cheia sobre aquele mar de dunas por todos os lados, como se grandes ondas tivessem virado areia um segundo antes de quebrarem na praia. Um enorme vácuo, só o vento forte indo do oriente para o ocidente, um silêncio de tudo. Se você se concentrasse por um minuto, poderia ouvir a respiração de Deus.

Depois que eu voltei a deitar, fiquei com os olhos abertos para o céu. Entregue no silêncio do vazio absoluto. Como James Joice, “Estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida”.

Levantamos antes do nascer do sol para desmontar a tenda, subir nos camelos e seguir para Ouarzazate, uma cidade feita de barro. No caminho, eu pedi para descer, queria tirar uma foto do grupo. Eu não contava que a areia estava batendo na minha coxa e que eu teria que ir nadando naquele mar de areia para acompanhar a fila de camelos que seguia sem nenhuma dificuldade. Tinha que ser rápida. Foi aí que fiz essa foto que está, hoje, ampliada num quadro da minha sala. Tanta coisa aconteceu nesta viagem, mas essa é a melhor recordação que eu trouxe de lá. Eu adoro essa foto.

Por coincidência, dez anos depois, eu estou exatamente diante deste quadro, trabalhando. O quadro está dentro de um apartamento comum, dentro de uma vida padrão. E eu estou escrevendo um artigo sobre um outro país africano, também em processo de descolonização – este outro, felizmente, num estágio mais avançado. Às vezes, eu interrompo o trabalho para levar o lixo lá fora. Ou para lavar os pratos. Ou para atender o interfone. E o porteiro que me interfona não imagina que a senhora do 802 estava na Guerra do Saara durante a Primavera Árabe.

Dizem que, depois que os primeiros astronautas voltaram da Lua, eles entraram em depressão até o fim da vida. Como se, depois de terem experimentado um evento tão extraordinário, a existência rotineira tivesse deixado de fazer sentido para eles. E eu entendo. Mesmo. A verdade é que eu vivenciei experiências incríveis durante quinze anos e, depois, fiz escolhas incompatíveis com aquele formato de vida. Eu deixei o trabalho de campo em 2016. Entendo que tudo o que eu produzo hoje, daqui do computador, também é importante e necessário. Que há muitas formas de contribuir com a engrenagem de um planeta em rede. E que ninguém pode ter tudo nessa vida. Eu sei.

Eu compreendo perfeitamente tudo isso.

Mas ainda há as noites de lua. E ainda há esse quadro pendurado na parede.

Read Full Post »

As pessoas se sentem privilegiadas pela presença dele. Com um faixo de luz que iluminasse a sala de repente, a sua chegada quase sempre é anunciada pelos comentários que vão abrindo portas antecipadamente. Dessas personalidades excêntricas que parecem colocar o resto do mundo em marca d’água, cooptando adeptos para um modo de ver a vida aberto a infinitas possibilidades – que, se ainda não se concretizaram, seria apenas por uma questão de tempo ou por causa dos invejosos que não podem suportar as qualidades que você certamente possui. Perto dele, todos são gênios incompreendidos, mentes superiores prestes a serem aclamadas pelo reconhecimento inevitável. 

Todos sentem prazer no sentido grandioso que ele traz para suas vidas e acabam tornando-se dependentes disso, como de uma droga poderosa capaz de lhes fazer levantar da cama todos os dias. E, em troca, cedem aos seus caprichos mais desbaratados e lhe perdoam faltas imperdoáveis, começando aí um ciclo doloroso. Por que ele podia fazer alguém sentir-se extraordinário por algumas horas, mas, no dia seguinte, lembraria vagamente o nome do interlocutor. Enquanto restaria ao outro esforçar-se para atrair sua atenção novamente, oferecer-lhe favores, ávido por outra oportunidade de se sentir especial. 

Contam uma história, não sei se é verdade. Quando ele se tornou professor de História, não estava preparado para a função. Ainda assim, os alunos o adoravam. Se lhe faziam uma pergunta difícil, ele simplesmente inventava a resposta. Criava enredos fantásticos sobre Napoleão, Cleópatra, Getúlio, ficções completamente descabidas. Sempre imaginei aquele homem enorme, cabelos longos e olhos verdes, narrando qualquer absurdo com uma oratória impecável. Contando qualquer maluquice com um carisma indefectível. Dizem que nenhum dos alunos jamais contestou a verdade. Naturalmente. Eu também não contestaria.

Ele fez parte da minha vida desde sempre, mas lembro de uma noite específica em que ele me explicava a diferença entre o Washington Olivetto e eu: a única diferença é que você é mais jovem, vai poder fazer tudo que ele fez, só que muito antes. Eu não concordava, mas não conseguia rebater o argumento. Depois, ele começava a planejar um futuro fabuloso para nós – um chalé na montanha, um barco, uma piscina do tamanho de um campo de futebol, o que acha? Já que eu era muito inteligente e seria, obviamente, milionária, teríamos tranquilidade dentro de um oásis exótico. Os projetos eram megalomaníacos, algo entre o completamente doido e o simplesmente adorável. Era maravilhoso estar com ele. Quando eu conseguia estar com ele. 

Porque, dias depois de projetar uma vida perfeita para nós, ele era capaz de marcar um jantar comigo e não aparecer. Ou de me deixar esperando na porta do dentista ou na janela de casa ou de cometer qualquer vacilo terrível de forma que nem adiantava ficar com raiva, por que nada parecia proposital. Minha vida oscilava entre me sentir especial iluminada a framboesa de ouro escolhida pelos deuses ou me sentir um verme abandonado na sarjeta da desimportância. E eu passei muito tempo me esforçando para ser lembrada. Sendo a mais inteligente, a mais bem-sucedida, a mais brilhante, a mais inesquecível. Observe que loucura. Existe ambição mais inútil que tentar ser inesquecível?

.

“Olha-me de novo. Com menos altivez.

E mais atento.”

.

Parece óbvio, mas a verdade é que algumas pessoas nos viciam. A gente vicia no elogio grandioso, mesmo que não seja real. Nos projetos fantásticos que nunca vão se realizar. A gente vicia ineditismo, na aventura empolgante, em qualquer coisa que faça-nos sentir únicos e potentes, mesmo que isso custe a nossa sanidade. Como tantas outras pessoas, eu estava viciada nas hipérboles de meu pai. E vivia uma abstinência de cortar o coração. Estava viciada nele invadindo o pátio da escola com caixas de presentes, matando meus colegas de inveja. Nele colocando um ônibus particular na porta do colégio para eu levar quem eu quisesse para a festa. Nele chegando no aniversário com um cavalo de verdade para mim, igual aos dos contos de fadas. Quando ele trouxe um lote de 200 coelhos brancos para animar a nossa Páscoa, meus primos disseram que eu tinha sorte de ter um pai tão fantástico. E eu admitia. Mas também percebia a sorte deles. Por que era ótimo ter um tio excêntrico capaz de surpresas inacreditáveis quando já se tem um pai como os outros, que lembra a dose do remédio e a hora de buscar no dentista.

.

“Faço promessas malucas,

tão curtas

quanto um sonho bom.”

.

Eu já estava adulta, perdida e exausta quando decidi renunciar. À extravagância, à instabilidade. Acho que passei metade da minha vida nesse processo de desintoxicação. Tentando não me sentir fracassada por não ter tido um destino excepcional, tentando não me sentir miserável cada vez que alguém me ignorava – que terrível a ideia de ser esquecida outra vez. Recuando do fascínio das pessoas emocionalmente irresponsáveis, dos que fomentavam expectativas que não podiam cumprir. Mas, principalmente, recuando da minha própria vocação para me tornar a cópia do meu pai. Se você olha muito para o abismo, o abismo olha para você.

(Entre os heróis de gibi, sempre há alguém que nasce com um superpoder destrutivo e faz o juramento de não utilizá-lo para o bem de todos. Eu sou boa com elogios. E eu evito elogiar as pessoas. Sei que posso fazê-las ascender às nuvens, mas não posso evitar que despenquem de lá). 

Na época da faculdade, eu estava dirigindo e tinha um carro na minha frente indo muito devagar. Eu fiquei fazendo sinal e perdendo a paciência por uns dez minutos. Quando ultrapassei, o motorista era ninguém menos que meu pai. Ele estava rindo, tinha feito de propósito: “Por que ficou passando raiva atrás de mim? Por que não tomou logo a outra pista?”. Eu gargalhei, gritando um palavrão. Mas nunca soube responder a essa pergunta.

Certa vez, eu tive um dia ruim e ele disse: venha dar uma volta comigo, você está precisando fazer algo interessante. Ele me levou à casa de um amigo dele que tinha vinte cachorros e um jacaré na piscina – Olha, preciso reconhecer, você me levou a um lugar interessante – Mas o interessante era passar a tarde comigo, jacaré na piscina qualquer um pode ter!

.

“Meu pai tem Alzheimer
e todo dia me pergunta
que dia é hoje.
Eu digo que é Dia dos Pais
e tasco-lhe mais um abraço.”

.

– Pai, tava lembrando de uma viagem que fiz, nem sei mais o nome do lugar. Senti um magnetismo estranho, até chorei quando fui embora. Não faça piada disso.

– Não vou fazer piada. Na verdade, eu senti isso uma vez, você não era nascida. Era uma praia que parecia querer que eu ficasse.

– Uma praia?

Era o mesmo lugar.

.

Na década de 70, ele estava viajando com um amigo e o velho fusca estancou na ladeira. Um carro de luxo ficou buzinando atrás e meu pai simplesmente engatou a ré. Esmagou um carro no outro, depois acelerou e foi embora. Anos depois, ele se casou, o amigo também e cada um teve uma filha. Nós duas costumávamos viajar juntas e só eu não conhecia essa história. Quando meu primeiro Fiat estancou na ladeira, um carro de luxo buzinou atrás. Antes que eu engatasse a ré, ela pulou do carro gritando – mas que Édipo filho da puta!

.

“Ela não podia olhar para seu pai quando ele tinha uma alegria. Porque ele, o forte e amargo, ficava nessas horas todo inocente. E tão desarmado. Oh, Deus, ele esquecia que era mortal. E obrigava ela, uma criança, a arcar com o peso da responsabilidade de saber que os nossos prazeres mais ingênuos e mais animais também morrem. Nesses instantes em que ele esquecia que ia morrer, ele a tornava a Pietà, a mãe do homem.”

.

Hamlet é a história de um filho que tenta vingar a morte do pai. E sempre me intrigou o fato de ambos terem o mesmo nome: Hamlet é o patriarca ausente e Hamlet é o filho solitário. Hamlet é o fantasma que atormenta Hamlet. Como se os dois fossem indissociáveis! Talvez fosse essa a verdadeira tragédia.

Os livros de Kafka têm algo em comum, todos tratam de problemas sem solução. Menos um, que ele não quis publicar, o Carta ao Pai. É uma correspondência de mais de cem páginas que nunca foi enviada: “Pai, (…) minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito”.

Meu pai só chorou quando Bob morreu. Bob era o vira-latas que alegrava a casa, achado na rua, feio feito a fome. De um jeito que eu nunca tinha visto, ele lamentou não ter cuidado mais, tratado antes, feito melhor. Chorou por Bob de todo coração. Eu, adulta, assistia ao drama e não entendia. Parecia o remorso de uma vida inteira.

.

“Dizem que embaixo do sarcasmo

Existe uma segunda camada mais viscosa de sarcasmo

Mas na quarta ou quinta você descobre 

Uma vontade desesperada de amar

Tem que descascar”

.

Eu herdei as grandes sobrancelhas. Herdei a inclinação ao exótico, a vida social agitada, o gosto pelo microfone. Herdei o deboche espinhoso, o egocentrismo e a personalidade hedonista. Mais do que tudo da infância, meu Deus, eu levei um coração partido. Que desconfia de promessas, que é insensível a romantismos. Senhoras e senhores, é bem difícil me impressionar. Só acredito em quem lembra da hora do remédio e o dia de buscar no dentista.

.

“Eu compro o que a infância sonhou

Se errar, eu não confesso

Eu sei bem quem eu sou

Eu nunca me dou.”

.

Sempre achei graça das camisas coloridas. E da pizza requentada três vezes ao dia. Amei as sandálias havaianas em restaurante de luxo e o paletó italiano no acarajé da esquina, ganhar brinquedo até os trinta, amei ir de Salvador ao Rio a 50km por hora só para irritar os outros na estrada. Mas odiei ter pego três aviões para te encontrar no Natal e ter ouvido apenas que estava atrasada. E sempre que o dia dos pais perdeu para outro evento que te pareceu mais importante. E a camisa de presente que cansou de esperar no armário e coube perfeitamente no porteiro. Eu sabia que merecia mais. Justo de quem dizia que eu nunca deveria aceitar menos. 

Meu pai é o Cavalo de Troia que alegrou a minha infância e fez uma algazarra com a minha vida adulta. É o Sinatra estourando champagne, é o Rei do Gado, é o meu Malvado Favorito. É o Bukowski brigando com o seu pássaro azul. Como numa parábola às avessas, em que é o pai pródigo quem retorna arrependido, às vezes ele me pergunta se eu gosto do Raul Seixas. Se curto o maluco beleza da mosca da sopa que não quer tirar onda de herói. E eu olho bem nos olhos dele – pai, e quem não ama o Raul?

.

“Uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; (…) na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido.”

.

A primeira imagem de pai na mitologia é Urano, o pai ausente. Que foi destronado por Saturno, o pai dominador. Que foi destronado por Zeus, o pai zeloso. E faz séculos que a humanidade aprimora modelos de paternidade moderna, mas eu resumiria a epopéia num único mandamento: nunca esqueça sua filha de pé, na porta de casa, no dia do aniversário dela.

.

“Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina.”

.

Um dia desses, eu estava dirigindo e havia um carro muito lento na minha frente. Eu sabia que era ele, mas ele não tinha me visto. Esperei quieta, como quem toma coragem. Ultrapassei devagar, ele me viu e eu acenei tranquila. E essa foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na vida: ter seguido em frente.

É isso.

Eu te amo muito, pai. Mas, finalmente, eu tomei a outra pista.

Obs: respondendo às mensagens, está tudo ótimo comigo e com meu pai! Foi só o meu psicanalista que mandou escrever sobre episódios do passado e eu estou humildemente obedecendo 🙂

Read Full Post »

A gente se conheceu num quarto de hotel. Foi isso mesmo. Numa viagem a trabalho, sem que eu soubesse, a empresa me alocou no mesmo apartamento que uma desconhecida. Desavisada, a desconhecida abriu a porta e me encontrou sentada na poltrona dela. O tipo da situação que tinha tudo para ser péssima, mas a estranha tinha senso de humor – olá, invasora, eu sou a Jana.

Aquele era o único quarto vazio no único hotel de uma cidadezinha aleatória. Cada uma ocupou uma cama e dividimos muitas histórias durante uma semana. Eu estava cobrindo um evento num acampamento do Movimento Sem Terra, ela era uma indígena convertida aplicando uma pesquisa demográfica. Ficamos amigas quase imediatamente. Ela me acompanhava nas entrevistas, eu ajudava na aplicação dos questionários e a gente terminava a noite na praça. Jana tinha a minha idade, mas parecia muito mais jovem e tranquila. Foi a primeira pessoa no mundo a questionar o número de chaves do meu chaveiro – quantas responsabilidades…

Ela não tinha redes sociais nem celular e, quando a semana acabou, eu imaginei que ia ser difícil manter contato. Mas costumo confiar que o mundo dá um jeito de fazer os bons amigos se reencontrarem. Em outra viagem a trabalho, na Chapada Diamantina, eu estava passando por uma cidadezinha ainda menor e, de repente, vi Jana do outro lado da rua. Nem acreditei. Fiquei tão feliz!Pedi ao motorista que parasse a van, pedi aos colegas que aguardassem um minuto, saltei do carro correndo só para dar um abraço. Ela estava na calçada, encontrando uns rapazes. Quando me viu, eu levantei os dois braços:

– Janaaaaaa!!!

– Oi.

Ela respondeu GELADA. Não sorriu. Não estendeu a mão. Não parecia feliz de me encontrar.

– Tudo bem com você??

Silêncio. Eu não sabia o que dizer. Fiquei sorrindo, sem graça, os amigos dela olhando pra mim. Ainda insisti:

– Que bom ver você, né? Estou de passagem.

– E eu também já vou embora.

Fui me despedindo. Voltei para o carro. Ela sumiu pela outra rua. Eu não entendi nada.

Foi horrível.

No caminho, meus colegas perguntaram se eu tinha me confundido e cumprimentado a pessoa errada. Respondi que sim, que foi um engano. Um doloroso engano. Fiquei calada o resto do trajeto remoendo o incidente e passando por aqueles três estágios que todo paranóico conhece bem: 1) a insegurança: eu disse alguma coisa errada? Será que ela estava chateada comigo? Será que ela mudou? 2) a raiva: custava estender a mão? Tinha necessidade de me dar esse gelo na frente de todo mundo? Então era tudo falsidade o tempo todo?? 3) por fim, a certeza de que EU ESTAVA LOUCA. Senhoras e senhores, saibam que todos os paranóicos do mundo carregam a mesma aflição: achar que inventaram uma relação que nunca existiu. Desconfiam o tempo inteiro que aquela afinidade pode ser uma criação de suas cabeças, uma projeção sem reciprocidade, algo que, para o outro, nem era tão importante assim. Amigos imaginários, quem nunca? Uma dúvida simplesmente a. tor. men. ta. do. ra.

Gente, isso me mata.

Por fim, eu fiquei me sentindo apenas uma otária e esqueci o assunto. A gente cata os próprios caquinhos e segura na mão da dignidade, né? Deixei pra lá. Paciência. A viagem correu bem. No caminho de volta, a equipe inventou de parar exatamente naquela cidadezinha para almoçar e eu sabia que poderia encontrar Jana novamente. Seria péssimo. Seria constrangedor. E é claro que encontrei. Ela me viu e veio correndo me abraçar:

– Amiga, se não fosse você durante aquele assalto! Foi Deus quem te mandou. Eu nem sei como agradecer!

Read Full Post »

Esta quarentena está me fazendo lembrar de tantas outras. Talvez você tenha já tenha vivido alguma. Momentos em que, de repente, seus planos foram adiados e você entrou num período cinzento de espera. Um problema, um emprego, uma doença, um ambiente social indesejado. Se uma situação já te aprisionou por muito tempo, você já viveu uma quarentena.

E acho que os sintomas de qualquer quarentena são sempre os mesmos.

Você tem a sensação de que sua vida está parada. Os dias parecem longos e iguais. Você perde muito tempo na internet, fica irritado por bobagem. Come o tempo todo. Dias e noites se misturam numa longa insônia – hoje é quarta ou quinta? Hoje é domingo. E, amanhã, também.

Geralmente, no início do isolamento, a gente faz questionamentos, fica teorizando sobre o problema. Depois, se sente apenas exausto e até evita falar no assunto. Começa montando um cronograma para superar aquela fase ruim – estudos, exercícios, meditação – mas tudo termina em frustração no sofá. Você arruma as gavetas, joga muita coisa fora. Encontra fotos antigas. Pensa em telefonar para pessoas que você não vê há anos. Você se arrepende das coisas que não fez quando ainda dava para fazer alguma coisa. As lembranças te dão um lugar para onde ir quando você precisa continuar aonde está.

Numa quarentena, você vê a chuva pela janela do apartamento. A palavra apartamento significa apartado, separado, isolado. Sim, você se sente muito apartado. Há momentos em que você se pega tendo inveja de quem está bem, curtindo a vida. Em outros, você se sente culpado por todos os seus privilégios. Você reflete sobre a solidão e a vulnerabilidade no mundo. Você se sente sozinho e vulnerável.

Você pode sentir falta de ver gente. Ou sentir falta da pessoa que você se tornava quando estava em público. Como naquele conto de Machado de Assis, onde um militar é designado para vigiar um sítio vazio durante semanas. Mesmo estando completamente sozinho – poderia andar pelado, se quisesse – ele veste a farda todos os dias. Não gostava do que via no espelho quando estava sem ela. Se sentia perdido sem aquela farda.

Bem, acho que toda rotina social inclui muitas fardas. E uma quarentena repentina te despe de um jeito cruel – ela revela tudo aquilo o que você não é. Você não é o seu emprego, a sua vida social, o seu modo de vestir, de viajar. Você não é o seu talento para deixar uma boa impressão nas pessoas – especialmente quando não há ninguém para quem exibir essa figura fabulosa que você imagina ser. Só sobra, no espelho, um ser humano despido de tudo. Apenas isso. Você consegue gostar desse cara?

A pior quarentena é a que não tem data para acabar. Você fica à deriva pelas redes sociais, esperando algo acontecer – Esperando Godot, diria Beckett. Eu costumo comparar esses isolamentos a uma viagem marítima. Imagine que um deslocamento de 100 km por terra significa ver paisagens, pessoas, movimento. Já os mesmos 100 km num navio equivalem a um horizonte estático, sem início nem fim, onde você perde a noção dos dias. Você se sente confinado naquela imensidão, sem saber se falta um dia ou um ano para chegar a algum lugar.

E, já que falamos em oceano, me diga: quem você levaria contigo para uma ilha deserta? Essa era uma pergunta comum nos antigos questionários adolescentes. Era engraçado por quê todas respondiam a mesma coisa: o Leonardo DiCaprio. Hoje, imagino que o isolamento que a maioria de nós está vivendo não está acontecendo numa ilha deserta – lamento, gente – e tampouco nos deram chance de escolher com quem dividir essa ilha – desculpa, Léo – mas a pergunta é tão atual. Uma quarentena congela a nossa vida subitamente no hoje. Se você ficou confinado exatamente com quem você escolheria, você é uma pessoa de sorte. Isso inclui quem desejou estar apenas consigo mesmo. Mas, se sua ilha não é nada do que você sonhou, talvez algo precise mudar.

Essa história de navios e ilhas me fez lembrar de O Amor nos Tempos do Cólera. No último capítulo, levantam a bandeira amarela: é anunciado que o navio entrará em quarentena. Que alegria. Finalmente eles poderiam navegar sem roteiro. Agora estavam sozinhos, longe de tudo, livres do mundo e tinham a chance de viver intensamente aquele momento. Era uma grande oportunidade. A quarentena é o final feliz.

Cientificamente, a palavra quarentena significa o prazo para algo se revelar: um sintoma, um diagnóstico. Sei de quarentenas que duraram dias, outras que duraram anos. Sei de gente que passou a vida aprisionado onde não queria estar e de gente que nunca percebeu que estava aprisionado. Isolamentos fazem a gente questionar se estamos vivendo a vida errada, na cidade errada, no planeta errado. Mas também nos aponta dádivas que, de outro jeito, a gente não perceberia.

Quarentena é revelação. E um navio bem grande, do tamanho do mundo, está em quarentena. É uma tragédia. E é, também, uma grande oportunidade.

Acalme o coração. Levante a sua bandeira amarela.

Quantas quarentenas você já viveu? O que esta quarentena quer revelar para você?

 

 

 

 

Read Full Post »

– Você encaminhou esses papéis junto com o resto?

– Não.

– Hum.

Às vezes, eu me lembro dos hipopótamos de Pablo. Talvez você já conheça essa história. Com certeza, conhece a história de Pablo Escobar. Ele morreu há mais de vinte anos e continua dando trabalho para a polícia de um jeito que nem ele mesmo poderia imaginar. E olha que ele era um cara bem imaginativo quando se tratava de dar trabalho à polícia.

No auge do Cartel de Medellín, Escobar criou um rancho. E achou que cães de guarda não dariam conta de fazer a segurança da propriedade. Procurou uma solução mais eficaz. O que poderia ser mais feroz e violento e sanguinário do que um doberman faminto? Um hipopótamo, é claro. Importou quatro da África. Na ocasião, empolgou-se com a ideia e trouxe também girafa, hiena, rinoceronte, criou logo um zoológico e, na impossibilidade de importar dinossauros diretamente do período Cretáceo, mandou fazer uns de concreto.

Quando Escobar morreu, os animais foram removidos para os zoológicos de Medellín e Bogotá, com exceção dos dinossauros de concreto e… dos hipopótamos. Por que foram esquecidos. Ou, talvez, por que fossem igualmente pesados. Os quatro ficaram no rancho abandonado. Três fêmeas e um macho. E eles foram se multiplicando. De vez em quando saía no jornal uma notícia misteriosa sobre vacas que apareciam esmagadas ou casas destruídas, depois sobre filhotinhos redondinhos e fofos que apareciam perto das escolas e eram a alegria das crianças. Teve pai que levou hipopótamo para casa, teve outro que levou três e alimentava com leite na mamadeira, a maioria da população criava afeto sem saber do problema em que estava se metendo (quem nunca?). Não demorou para aparecerem hipopótamos adultos soltos nas cidades, atravessando a faixa de pedestre, destruindo carros, correndo atrás das pessoas – tudo bem Jurassic Park, Pablo iria adorar. E começou a caçada aos hipopótamos. Um comeu o braço de alguém, abateram o bicho e a população protestou. Falaram em castração, o povo levantou faixas: que castrem os políticos. Além de onerosa, a castração em massa seria insegura para os veterinários e bastaria um macho ficar de fora para começar tudo de novo. Não poderiam ser removidos para a África, pois levariam doenças diferentes para lá. Não caberiam mais num zoológico. Tentaram cercas elétricas e um hipopótamo morreu eletrocutado e eles realmente não queriam matar o coitado. A população comeu o hipopótamo morto, mas a carne não era confiável, podia transmitir doenças perigosas, houve um rebuliço na segurança sanitária e na diplomacia internacional, que não entendeu a morte do animal e questionou publicando cartas e fotos nos jornais do mundo inteiro. No meio disso, um bando deles interditou as estradas e invadiu bairros residenciais – e os mesmos policiais que passaram a vida correndo atrás do Escobar agora passam a vida correndo atrás dos hipopótamos do Escobar e esta história não tem final por que eles continuam se multiplicando e sendo perseguidos e, até hoje, ninguém sabe o que vai acontecer.

O curioso é que aqueles quatro primeiros hipopótamos que foram esquecidos ainda existem – e vivem bem tranquilos num lago. O macho se chama “O Velho” e eu fico aqui pensando, peraí, será que o maluco do Escobar reencarnou no bicho, olhou em volta e pensou: A PORRA DA COLÔMBIA É MINHA e partiu para reconquistar o país? Ou será que é mesmo sina daquele povo ficar brigando por umas entidades que metade da população admira e a outra metade quer ver morta, numa polarização bem brasileira – enfim, cada nação com o *excêntrico* que merece – insira aqui o nome do político lunático da sua preferência. De fato, talvez por todas essas semelhanças, devo mais do que nunca declarar a minha eterna simpatia pela Colômbia e seus acontecimentos desbaratados, notícias cabulosas, indubitavelmente o berço do Realismo Fantástico, cheia de gente doida, muito amor.

Mas eu só comecei a contar essa história toda para dizer que hoje eu estava na paz da minha residência quando me ligaram para perguntar sobre um pequeno deslize que cometi. Algo desimportante. Um lapso banal. Toda vez que eu cometo uma falha que eu já sei QUE VAI VIRAR UMA PATIFARIA OLÍMPICA E EMBORQUILHAR NUM CATACLISMA ÉPICO eu paro, respiro fundo e penso comigo mesma: olha aí a porra do hipopótamo de Pablo.

Ainda não deu merda.

Mas vai dar.

.

C-iPBB9WAAAd9LZ

Fontes: Super Interessante, @KarlFelippe, National Geographic

Read Full Post »

A verdade é que eu só me interessei por essa história depois que disseram que eu teria que prestar depoimento ao juiz sobre o assunto, explicar como tudo começou e eu – bem, eu não tinha ideia do que se tratava. Como naquele livro do Kafka em que o cara é convocado pela Justiça e passa as 300 páginas da trama tentando descobrir, afinal, por qual crime mesmo ele estava respondendo – meu nome constava no inventário, eu não sabia como, nem o motivo. Pedi para ler o processo, novos documentos foram aparecendo, algumas cartas e cada página descortinava sobre pessoas conhecidas um passado que eu ignorava por completo. O mar não é só o que se vê da praia, veja bem.

Desde então, tive conhecimento de episódios familiares dos quais tomarei a liberdade de contar apenas este simplesmente por que ele virá a público frente ao juiz dentro de alguns dias – ou seja, não há mais motivo de segredo, todos saberão. Além de que ele é apenas um parêntese isolado dentro do enredo complexo do clã. No mais, não tenho interesse em cultivar fantasmas puxando meu pé pelas próximas madrugadas.

A parte em que eu entro nesta história aconteceu há uns dez anos atrás.

Eu estava desembarcando em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Inverno escuro, neblina fechada, eu subindo a serra para ir à casa de um tio-avô que ainda não conhecia. O plano era morar lá para terminar os estudos. Eu tinha por volta de 25 anos – aquela idade em que tudo parece definitivo: ontem você tinha 18, amanhã fará 40 e sua vida precisa desesperadamente de um rumo assertivo – e eu achava que sair de Salvador mudaria algo. Foi uma das tantas vezes em que eu achei que sair de Salvador mudaria alguma coisa. Nunca mudou nada. Mas eu ainda não sabia disso.

A porta do apartamento estava aberta. Encontrei um senhor quieto na varanda lendo o jornal. Uma bengala, uns olhos azuis, um sotaque português e um papagaio com o costume macabro de chamar pelo nome de pessoas que já morreram. O nome do papagaio era Inácio e o nome do meu tio – bem, não vem ao caso. Mas vamos chamá-lo de Tristão. Tristão recebeu-me com fotografias antigas, velhos casos da nossa família e conselhos sobre o sentido da vida. Foi uma tarde agradável, cheia de nomes e datas, dormi no quarto de hóspedes e sonhei em preto e branco. Os pedaços da conversa que eu não compreendia, atribuí ao jeito não-linear que os idosos têm de narrar suas coisas, mas me enganei – foram lacunas que só começaram a fazer sentido agora. Só quem nasceu numa família engendrada como a minha entende que há coisas que jamais serão faladas – todos podem passar gerações explicando sobre como as paredes andam desgastadas, sobre como o telhado já não é o mesmo, sobre como tem chovido nos últimos anos, mas ninguém anuncia que a casa vai cair. Até que a casa caia. No meio de uma frase que me parecia completamente desimportante, ele fez uma pausa para dizer que o que a gente se esforça para esquecer é o que domina a nossa vida. E deixou ficar um silêncio.

Foram apenas 24 horas em Petrópolis. Tudo que ouvi sobre a inutilidade de se tentar escapar do próprio destino parecia fatalmente direcionado a mim e eu decidi voltar para Salvador. Me despedi realmente agradecida. Dentro de algum tempo, soube que Inácio estava chamando o nome de Tristão junto com o de outros falecidos dentro da varanda vazia. Achei triste. E foi a última notícia que tive de lá.

Uma década depois, os advogados bateram na minha porta. Uma convocação para depoimento, perguntas que eu não sabia responder. Há seis meses estou montando este quebra-cabeça.

Pelo que entendi, foi assim.

Tristão nasceu em Portugal durante a guerra. Cresceu na Ilha de Madeira e emigrou ainda rapaz para morar com um tio do Rio de Janeiro. As cartas narram o seu deslumbramento com a cidade. As ondas quebrando no bairro de Laranjeiras, o verão que não terminava nunca – um calor de derreter catedrais, diria Nelson Rodrigues. Mas nada lhe tirava mais a respiração quanto os olhos verdes da esposa do seu tio.

Nós vamos chamá-la de Isolda. E devo dizer que não há uma linha sobre ela nas cartas à família, mas há no depoimento de uma ex-funcionária da casa: uma esposa muito alva com olhos muito verdes. Como num grifo de Machado: “aqueles olhos eram duas esmeraldas nadando em leite”. Segundo a funcionária, foi uma convivência que durou anos – as conversas depois do jantar não terminavam nunca, talvez como em A Missa do Galo: Isolda cogitando trocar os quadros da parede, sugerindo gravuras, ele comentando sobre personagens de ópera – num suplício silencioso, de cortar o coração. O tio não percebia, ocupado demais com negócios, política e amantes. Tristão pensava em fugir com ela. Um dia, de repente, o tio percebeu. Expulsou-o de casa depois de uma surra.

Nunca voltou a Portugal, não saberia como explicar o acontecido à família, seria um escândalo. Não tinha ninguém no Brasil. Morando num quarto de aluguel, Tristão trabalhou por muitos anos e, segundo ele, foram décadas que passaram como dias. Comprou um apartamento em Petrópolis, casou-se tarde e, na época, talvez por quê não tivessem filhos, meu pai, ainda criança, morou com eles por dois anos, onde o batizaram. Quando voltou para casa de minha avó, meu pai contava histórias sobre o papagaio Inácio. Só depois chegou ao apartamento de Tristão um telegrama que mudaria as coisas: anunciava que o velho tio havia falecido com dívidas e que Isolda havia sido despejada da casa de Laranjeiras.

Neste momento, caro leitor, devo fazer uma pausa retórica para perguntar: sabe qual a diferença entre uma novela e uma tragédia? É que, na novela, há um vilão. Já, na tragédia, o vilão é o acaso. São os reveses desbaratados do destino o grande antagonista de uma tragédia. E “o acaso é um deus e um diabo ao mesmo tempo”, não é mesmo? Pois bem.

Ele não dormiu naquela noite. Estava exasperado – escreveu a um amigo próximo. Passou a amanhã escolhendo as palavras. Na mesa do almoço, num tom moderado, leu o telegrama à esposa e sugeriu que acolhessem a tia em casa para que fosse morar com eles. Argumentou que a boa senhora o havia abrigado nos dias de juventude. Que o apartamento era grande. Que seria boa companhia.

Insistiu no assunto, mas sabia que aquilo estava errado. Sabia que era possível, inclusive, ajudar Isolda de alguma outra forma. O amigo, ciente do que estava acontecendo, escreveu desaprovando da ideia. Mas ele não podia escapar à tentação de tê-la novamente à mesa de jantar. Duas esmeraldas nadando em leite. Era a oportunidade de uma vida inteira. A esposa cedeu, inocente de tudo. E a chegada de Isolda iluminou a vida dele como um sol entrando num quarto.

“Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos”. As conversas depois do jantar eram as mesmas. Não eram jovens e estavam vivendo o auge de suas vidas numa fase em que a maioria das pessoas “vive com o verdadeiro rosto na nuca, olhando desesperadamente para trás”. Mas havia, outra vez, um triângulo. E, infelizmente ou felizmente, é dada à natureza feminina uma perspicácia que os homens desconhecem. A mesma paixão que cresceu durante anos invisível sob as barbas do tio de Tristão foi logo percebida pela esposa dele. Ela investigou o passado e a ex-funcionária da casa de Laranjeiras entregou tudo. Uma aberração. Uma imoralidade. Persuasão, Jane Austen, décimo capítulo. Dizem que, naquele momento, a emoção corroeu os nervos da esposa, lhe causou um mal súbito. Morreu pouco depois. Parentes diziam: morreu de desgosto.

E era o segundo escândalo que atravessava a vida dos dois.

Cartas desenrolam um novelo de culpa e tristeza. Eram duas pessoas sozinhas, não tinham ninguém. Continuaram no apartamento de Petrópolis. Os vizinhos comentaram a notícia, as pessoas do bairro espalharam boatos e, com o passar dos anos, o assunto foi caindo no esquecimento. Sempre há intrigas mais frescas e vexatórias a serem contatas. As antigas vão perdendo força e, de resto, a velhice cobre a todos com um manto de dignidade acima de qualquer suspeita. Todo pacato casal de idosos merece simplesmente ser deixado em paz.

Eles viveram juntos durante trinta anos.

Ele morreu em 2009 e, ela, em 2017. Na época em que estive lá, conheci Isolda na hora do jantar – mais idosa do que ele, mais disposta do que eu. Nunca oficializaram a união e até hoje há problemas com o inventário por causa disso. Perguntei por Inácio, o papagaio: depois da morte dela, teimava em voar sem destino pelas redondezas e, um dia, não voltou mais. Dizem que chamou tanto pelos mortos que os fantasmas vieram buscar. Ainda não sei exatamente por que apareci no testamento como herdeira do apartamento de Petrópolis e certamente o juiz irá questionar qual o meu laço com o casal em vida – será ridículo informar que foram apenas 24 horas de convivência, mas é a verdade.

Bem, ao menos até onde sei, esta é a história do meu tio Tristão. A história dos outros parentes eu não posso contar, mas são simplesmente inacreditáveis.

Às vezes, me pergunto se as coisas poderiam ter sido diferentes pra eles. E se ele tivesse voltado sozinho para a Ilha de Madeira? E se se aquele telegrama nunca tivesse chegado até Petrópolis? Jamais saberemos.

Confesso que, desde que esta Caixa de Pandora foi aberta, o que mais tem comovido esta minha alma irremediavelmente inclinada ao romanesco tem sido reconhecer o enredo dos clássicos em memórias de família. Hobin Hood, Os Maias, Os Belos e os Malditos, Tristão e Isolda. Como se tudo que já li na vida fosse um presságio da minha ascendência e não fosse necessário à ficção inventar mais nada, já que nenhuma criação pôde superar a realidade.

“Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse”. “Venho de longe, de uma pesada ancestralidade”. “As estirpes condenadas a cem anos de solidão não têm uma segunda oportunidade sobre a terra”. “Infelizmente, todo poder do mundo não pode mudar um destino”.

É isso.

Sinto que todos os meus dramas estão justificados. A minha genética é pura literatura.

Read Full Post »

“As crianças cresciam
admiravelmente em torno deles.
E, como a uma borboleta,
Ana prendeu o instante entre os dedos
antes que ele nunca mais fosse seu.”

(Lispector / Amor, Laços de Família, 1960)

 

 

Em dois anos, eu fui mãe duas vezes. E acho que a principal diferença entre as duas experiências – o que talvez valha para todas as experiências que se sucedem na vida da gente – é que, na segunda vez, eu já sabia que ia passar.

O medo ia passar. A euforia ia passar. Saber que tudo vai passar faz você se sentir mais seguro e pessoas seguras não ficam o tempo todo tentando ser perfeitas.

Dar um banho na minha primeira bebê significava comprar seis garrafas de água mineral, ferver tudo numa panela nova, despejar numa banheira esterilizada e ficar medindo a temperatura até ela chegar a 37 graus. Minha segunda bebê toma banho até na pia de lavar roupa. Minha primeira bebê nasceu num berço que incluía baú, cama extra, cortinado, quatro posições e sete almofadas. Minha segunda bebê dorme num cercado no meio da sala. Os amigos brincam que, se eu tivesse uma terceira bebê, ela ia dormir na casa do cachorro, mas isso não é verdade. Eu nem tenho um cachorro. Saber que nada vai durar muito tempo faz a gente focar no que realmente interessa.

Às vezes, eu me pego pensando em como seria se a gente pudesse viver cada fase da vida duas vezes. Viver a adolescência de novo, o início de carreira de novo, aquela viagem de novo. Viver de novo cada momento decisivo só que, dessa vez, sabendo que vão passar. Na pressa de aproveitar cada minuto, quem iria cumprir todas as regras? Quem iria perder tempo tentando ser tudo que os outros esperam?

Minhas meninas brincam alheias a todas as diferenças entre elas. Uma no berço caro, outra no cercado, tão unidas e completamente felizes. Eu fico olhando de longe e reparo em como tudo em volta está uma desordem. A casa, a vida, tudo desalinhado. Mas, se eu fechar o foco, vou ver apenas uma criança dormindo no colo da outra. Um desenho na sola do sapato, um dinossauro na geladeira. De perto, os dias são bonitos. Mesmo nesta fase de desajuste, eu não gostaria de estar em outro lugar.

Eu realmente não sei por qual período da vida você está passando, mas talvez também não esteja sendo fácil. Não importa, apenas feche o foco. Traga o seu momento pra mais perto. Como a uma borboleta, segure o instante entre os dedos. Felizmente ou infelizmente, isso também vai passar.

Read Full Post »

Older Posts »