E tudo aquilo que eu entendia como saudade, exílio, a falta da minha terra, das minhas ruas, da minha gente, esta dor quase física de membro arrancado que ardia a cada esquina daquela cidade estranha, tudo isso na fala daquela moça era uma certeza mansa, uma sina, um destino simples, duro, pródigo, uma aceitação plena de caber-se inteira em seu lugar a qualquer tempo, hoje, amanhã ou depois, sendo ela mesma o pedaço prometido da terra que a aguardava – não hei de morrer sem voltar aos meus, gaja, ao chão dos meus pais, ao pó do chão natal. E ia tirando do bolso uns papéis, mostrou-me num mapa uma ilhota no Atlântico, São Tomé de Príncipe, perto da Nigéria – é longe daqui, muito longe. Também abri minha bolsa, mostrei-lhe fotos, postais, registros, fósseis de uma civilização inteira que agora vive sem mim, tudo sobre a mesa, a alma exposta. Com a mão negra escolheu um objeto, trouxe a mim e apontou para perguntar:
– Mas, diz-me, e essas chaves? São do teu alojamento?
– Não. São da minha casa.
– Acaso levas em punho as chaves de tua morada no Brasil?
– Pois é, esqueci de guardar.
– Ah, sei. Entendo que leve-as assim, rapariga. A nós, estrangeiros, nunca sabe-se quando há o ponto de regressar. Tens sorte, gaja. Ainda tens as chaves de tua casa.
Pródiga
março 8, 2009 por marianamiranda
Profundo. Doído. Pungente. Pura emoção…
CurtirCurtir
Florzinha, saudade é algo tão grandioso que em outros idiomas nem trazem tradução.
Parece antagônico , mas ela doi e nos dá prazer, pois sabemos que ela é fruto de algo realmente sólido. Gosto do termo melancolia, acho terno, romântico, poético.
Essa melancolia será de fato necessária para que se torne ainda mais autônoma, as chaves te remeterão ao fato de que toda estrada leva a algum lugar, mesmo que não seja aonde se quer ir , mas é preciso caminhar , é preciso decidir, e o melhor de tudo é saber que elas representam seu ninho, seu porto seguro Não pude me despedir de voce e quando chegar terá em sua casa uma bonzai que comprei pensando em voce. Pequena em tamanho, mas resistente, diferente, é quase impossivel passar por ela sem perceber sua presença. Seu pequeno tamanho causa no outro um impacto gigantesco. Ela não tá nem ai por ser pequena , pois alheia a tudo é uma árvore. Amei seu blog, ler seus textos é embalsamar a alma. Lilia merece vocês, e eu sou grata a Deus por ter a oportunidade de colher um pouquinho do encanto gratuito que voces distribuem com quem convivem ainda que superficialmente. Bjos Anna
CurtirCurtir
Arrepiei …
Saudade elevada ao infinito!
CurtirCurtir
Minha Mary
É assim mesmo… quando estamos longe, todos nós, estrangeiros viramos amigos íntimos, pois somos ligados pelo mesmo sentimento de perda, de saudade, de vazio. Senti a mesma coisa quando estudei duarnte um mês no Equador. Qualquer pessoa que se aproximava, me levava a reconhecer um gesto, um olhar, um nariz, uma unha do pé….qualquer coisa era suficiente para me conectar com os meus aqui no Brasil. E é assim que conhecemos as histórias, os pensamentos, a cultura destes povos que se tornam amigos intimos nossos.
CurtirCurtir
Adorei esse texto!!
Já estou c saudades!!
Bjs!!
CurtirCurtir