Nem me lembro como aquilo começou. Estávamos num café em Santos quando meu amigo português implicou que os americanos ao lado estavam falando mal da gente.
– Nos chamaram de idiotas.
– Tem certeza?
– Tenho.
E lá se foi até a mesa deles, indignado. E com seu tosco vocábulo inglês, começou um discurso anti-imperialista, anti-Bush, anti-cinema-enlatado-hollywoodiano, anti qualquer coisa que atingisse em cheio o orgulho e o brio dos forasteiros inoportunos que, pasmos, tentavam contra-argumentar com frases que eu – e nem ele – entendíamos. Até que um deles, o de boné, pediu a palavra em tom de explicação:
– Hey, boy, you don’t understand. We don’t speak stupids, but students.
Resumindo: foi tudo um engano. Um bobo e constrangedor mal-entendido. Sem graça, o portuguesinho tentou pedir desculpas, quis dizer qualquer coisa mas as palavras não vinham. De repente todo o seu léxico britânico sumiu da mente e só lhe restou pedir desculpas em português mesmo. E, como vergonha tem gramática própria, eles entederam e ficou tudo bem.
Só não ficou para mim. É que já me vi nesta cena milhares de vezes: hábil para demonstrar meus desafetos e completamente incompetente para pedir desculpas. Alguém já havia me dito: falar com raiva é a forma mais fácil de fazer um discurso lindo do qual se arrepender depois. E arrependimento não mata, mas deixa uma cicatriz horrível.
E o pior é que eu falo mesmo bonito quando falo pra machucar. Incrível como pula um exu-palestra-pronta de dentro de mim e, num minuto, lá estou eu discursando brilhantemente contra algo ou alguém com o meu melhor vernáculo letal. Um talento nato. Tenho quase certeza de que fui Bocage na encarnação passada. E Diógenes na anterior.
No entanto, reconciliação: dialeto desconhecido. Olho para a pessoa, rumino, guaguejo e nada. Mas não acredito que seja por aminésia ou por toc. Como é mesmo que se chama este lapso que só atinge a pessoa quando ela precisa pedir desculpas? Ah, lembrei… estupidez.
E no meio de tantas farpas ocasionais, de tantos silêncios desnecessários, de tanto afeto desperdiçado, tento preservar os amigos que me sobraram e não sei o que fazer dos que se foram. Por fim, coloco nomes, fotos, vestígios de cada um na parte mais funda do baú, onde eles me doam menos. Tento esquecer de tudo. E morro de medo de que eles façam o mesmo.
E, enquanto eu penso na vida, o portuguesinho volta para a mesa cabisbaixo:
– Mas gaja, que massada! Como pode? Apagou-me a palavra! Não recordo de como pedir desculpas em inglês…
– Nem eu. Nem em inglês, nem em português, nem em mandarim. Nunca aprendi.
Adorei o texto.
Bjs!!
CurtirCurtir
Mari!
Pra ser nossa correspondente não tem ciência não! É só ter um tempinho e tirar algumas fotos nos mostrando comidas divertidas, exóticas, diferentes hábitos de comer e o que mais você achar interessante. Vai ser ótimo, mas só quando tiver um tempinho, viu?!
Beijo grande!
CurtirCurtir
Steven Seagal, Chuck Norris e Charles Bronson não pedem desculpas, baby.
CurtirCurtir
Paker, você é um fujão. Eu te persigo…
CurtirCurtir
não sei como, mas vc sabe gaja!
CurtirCurtir
Todo mundo fala que pedir desculpa é divino…e quem falou que ser divino é coisa fácil, se o fosse, não seria divino. Mas, é coisa que se aprende, a duras penas, mas se aprende. Eesse exercício é que nos faz melhores. Exercite…
CurtirCurtir