Há gente que sofre quando o time não ganha. Há gente que sofre quando perde o emprego. Mas só os meus amigos são capazes de sofrer por coisas absolutamente intangíveis. Por fatos que não são um problema, que talvez nunca cheguem a ser um problema, mas que tiram o sono dos coitados. Como o caso de uma amiga minha que lamentava profundamente não ter feito balé na infância. Para virar bailarina, ela teria que ter começado cedo, feito muitos anos de treino, mas a questão nem era esta, até por que ela odiava balé. O problema era a impossibilidade. Era tocar uma música clássica em qualquer lugar e lá estava ela chorando pitangas por não ter tido a oportunidade de seguir a tal carreira que ela não pretendia mesmo seguir. Um tragédia. Compreende? Eu compreendo.
E não só compreendo como formulei uma teoria sobre o assunto. Observando comportamentos diversos, concluí que a humanidade divide-se entre pessoas planas e pessoas esféricas. Planas são criaturas que possuem uma forma de pensar lógica, como uma superfície linear: você olha e compreeende a extensão dela. Gente que não sofre por problemas imaginários, vive uma vida concreta e é feliz. Gente normal.
Mas, se um círculo tem uma dimensão, uma bola tem três. Pessoas e objetos esféricos também: pra você os compreender, tem que olhar de mais de um ângulo, pois elas não se mostram completas na superfície. Para conhecer a bola por dentro, tem que abrir ela no meio. E as pessoas? Bem, não dá pra abrir as pessoas ao meio. E o jeito vai ser ficar a vida inteira sondando o que elas levam por dentro.
Por exemplo, digamos que o seu carro quebrou. Se você liga pedindo ajuda para o seu amigo plano, ele vai chegar trazendo o reboque e te aconselhando a trocar a lata-velha por um automóvel de verdade. Já o seu amigo esférico vai chegar sozinho, sentar no meio-fio ao seu lado, perguntar como você está se sentindo, oferecer o ombro e a solidariedade, questionar por que os carros quebram, por que os motores enguiçam e por que tudo atrapalha a rotina de quem já teve um dia inteiro de trabalho, procurar uma explicação pra tanto infortúnio no seu mapa astral, nos búzios, na Bíblia, tanto azar não é justo, não é certo, é um absurdo, vamos fazer uma passeata.
Um quer resolver, o outro quer participar. E os meus amigos adoram participar. Chorar junto por tudo que a gente desejou e não aconteceu e, principalmente, por tudo que a gente não desejou por que não sabia que existia. Digno. Até por que, graças ao cinema e aos romances, todos nós, os mortais, somos obrigados a reconhecer o quanto a nossa medíocre existência é desinteressante. Nos anos 80, o Marty fazia viagens através do tempo e modificava o curso da história em De Volta Para o Futuro enquanto eu ia para escola. Nos anos 90, outra afortunada conversava com Sócrates e visitava a Antiguidade em O Mundo de Sophia enquanto eu ainda ia para escola. Depois do ano 2000, além da surpresa decepcionante do mundo não ter se acabado, Peter Parker pulava dos edifícios heroicamente em O Homem-Aranha enquanto eu… fazia oque? Eu nem tinha mais escola pra frequentar! E ainda me perguntam por que a gente sofre. Motivos não faltam, meu caro, você nem pode imaginar.
Mas viver num mundo sem nenhum tipo de abstração nem é o pior. O pior é sofrer e não ter ninguém pra te dar um tapinha nas costas. Sempre saio e converso com pessoas simpáticas, modernas, bem-resolvidas e que possuem a profundidade psicológica de um personagem de Maurício de Souza. Sinto falta deles, dos meus amigos esféricos e complicados. Dos seus impasses machadianos. De como conseguiam enxergar em cada escolha banal um número incontável de variáveis possíveis, de como tornavam a vida sobre a Terra muito mais interessante. Não vejo a hora de reencontrá-los. Vai ser uma festa. Ou um drama.
Minha esférica sobrinha,
Obrigado por existir. E ser assim, desse jeito.
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Mari, tb me arrependo não ser bailarina (acho q sou esférica). kakakakakaka
Saudades de vc, pessoa tão especial.
Bjs,
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Mari!!!!!amei!!!! Fez me sentir normal quando sempre achei que eu era diferente, kkkkk.
Vc é muito sensível, isso eu já sabia, mas esse texto está muiiiiiiito incrível!
beijoooo
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Imagina então como nós estamos ansiosos?rsrs
Saudades das nossas conversas loucas…e do pq’s q n acabam nunca…vc tá me deixando uma pessoa extremamente egoísta…quero q volte logo…rsrs
Bjs!!
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Tem uma senha aí pra mim, também?
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Tô dentro!
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