Atualmente, devido a deveres profissionais, sou obrigada a ler superficialmente uns dez jornais toda manhã. O que não é grande coisa, se a gente levar em conta que vários publicam mais ou menos os mesmos assuntos e que, depois de algum tempo, é possível identificar certa repetição diária de fatos – acidentes, inaugurações, crimes, descobertas científicas – que me fazem pensar sobre a irrelevância da existência humana sobre a terra. Enfim. É o mundo se repetindo, assim como a minha vida pessoal se repete: saio para o horário de almoço, sendo na poltrona do café Grão de Ouro, abro o jornal e fico rabiscando notícias aleatórias todo santo dia. Às vezes, com alguma empolgação. Quase sempre, sofrendo de um misto de tédio e solidão devastadores.
Nesta quinta chovia canivetes em Salvador, eu afundava numa das poltronas do café, girava a colherinha dentro da xícara e aguardava. Nada, nada. O peito apertado, apertado, doía tão fundo. Ainda que, objetivamente, não houvesse motivo para isso, visto que a minha vida, nos aspectos mais diversos, caminhe lentamente numa direção aceitável, numa marcha branda de êxitos pequenos de quem só pode viver um dia de cada vez. Tudo ia bem, nada de novo sob o sol. E aquilo ainda ardendo, ardendo louco dentro do peito.
Foi então que eu arrastei os olhos desinteressados sobre a página do Estadão e um título falava de Atlântida, o continente perdido. A notícia contava que, depois do terremoto no Japão e das mudanças geológicas que ele causou, está emergindo do fundo do mar o território de Atlântida. Reza a lenda, confirmada por Platão, de que este foi um lugar paradísíaco aonde uma civilização muitíssimo avançada viveu até o século 9000 a.C., quando a ilha foi engolida por um maremoto. Assim, como se, por exemplo, esse último abalo tivesse liquidado todo o Japão. Ninguém sobreviveu. Desde então, no mundo inteiro, viajantes descendentes enlutaram pela pátria perdida, obras de arte homenagearam a sua prosperidade, foram construídos mapas para reencontrar os tesouros perdidos no mar e, vários séculos depois, ninguém sabia mais a localização exata do continente. Pior: já não se sabia se o continente realmente existiu ou se era fruto da imaginação dos antepassados, tão dados a mitologias.
E Atlântida foi virando ficção. Virou nome de filme em Hollywood, de boite em Milão, de parque aquático em Fortaleza. Virou tema de festa à fantasia. Virou piada.
Até esta quinta-feira. E eu me emocionei lendo sobre o continente redescoberto, depois de quase três mil anos de descrédito. Estava ali, há alguns quilômetros do sul da Espanha, sempre esteve ali. Nas fotos no jornal – escadarias debaixo d’água, pontes submersas – estava a ilha de prosperidade, o paraíso perdido, a pátria que deixou órfãos no mundo inteiro, em embarcações sem ter para onde voltar. E me comoveu a alegria dos geógrafos e dos cientistas dizendo – I’ve always believed, always believed!
Foi, então, que eu recostei enrolada no moleton, respirando fundo depois da chuva. E fechei o jornal. E, fosse o que fosse aquele nó no peito, – aperto, dor, sede – ele ia se desfazendo como um laço frouxo, pronto para desatar. Por um momento, sabe-se lá por quê – já que tudo que vem sem motivo, também vai sem razão – eu fiquei bem. Repetindo a frase dos cientistas, pensando no povo de Atlântida, nos viajantes regressos, em tanta gente que já tentou voltar para um lugar que não existia mais. Naquela gente que navegou, navegou à deriva, buscando na memória o caminho de casa, mas não havia nada lá. E ficou esfregando os olhos, duvidando da própria sanidade. Por que, às vezes, a resposta certa é a mais absurda – meu Deus, as escadarias debaixo d’água! – eles estavam no lugar exato, mas bússula nenhuma poderia mostrar.
E aquela notícia me acalmou o peito. Pelas tantas vezes em que olhei em volta e não havia nada, nada, nada. Por que era preciso mergulhar mais fundo. A resposta existia. Ela sempre esteve lá.
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