Ontem tive a primeira aula do doutorado. Cheguei pontualmente, por que eu sou phina. Me inscrevi numa disciplina só, por que sou sensata. Entrei sem nem saber o nome da disciplina escolhida, por que eu não mudei tanto assim.
Na sala, quarenta alunos num silêncio contemplativo, com uma média de idade em torno dos 25 anos – o que me leva a crer que todos ingressaram na graduação aos 13. Depois de entrar e dizer boa tarde, a primeira iniciativa do professor foi informar que as apostilas já estavam na xerox, que eram em língua(s) estrangeira(s) e que, em parte, as aulas também o seriam. Inclusive a de hoje. Uma coleguinha interrompe o silêncio:
– Em que idioma, professor?
– Francês.
– Ufa. Pensei que era alemão.
Aí, então, eu tive um devaneio. Né? Voltei no tempo uns três anos. Lembrei da primeira aula do mestrado de Edição de Texto – de quando eu era louca, fazia dois mestrados e apanhava miseravelmente nos dois – em que o professor perguntou à turma: vocês preferem a bibliografia em francês, italiano ou alemão? – E a turma respondeu – Tanto faz.
Eu era imatura e, na época, saí da sala sem ar. Branca. Com uns olhos petrificados de quem descobre que a luz no fim do túnel é um trem-bala no sentido contrário.
Acho que, dessa vez, nem houve susto por que, com o tempo, nossos parâmetros de sucesso vão mudando. No ginásio, eu bradava para ser a melhor do colégio. Na graduação, eu nem era a melhor da turma. No mestrado eu rastejava de costas para ser aprovada e, agora, se a UFBa não me jubilar aos chutes, já estamos no lucro. Permaneci impassível ao comentário.
A aula começou e eu saquei da mochila meu caderno. Cada um dos meus colegas sacou da mochila um Ipad. TODOS. Por que tablet é para os fracos, o povo tem que anotar a aula num Ipad. Neste momento, eis que rolou uma nostalgia geral da época em que os humanos usavam lápis e caneta e tinteiro e papiro e creio que houve flashs do Egito, da Roma Antiga e de Moisés talhando os Dez Mandamentos na pedra bruta. Guardei o meu caderno.
Então, um colega pediu uma caneta emprestada (pra quê, filho??), depois projetaram um vídeo em francês. E a aula prosseguiu: um professor grisalho sentado numa cadeirinha, muito calmo, falando por 4 horas seguidas sobre um assunto, ainda não sei exatamente qual. Ar condicionado, luz baixa e aquela voz uniforme explicando a diferença entre “a teoria da coisa em si, a coisa enquanto representação e a coisa enquanto essência, o estudo da epistemologia e semiótica das coisas”, numa divagação longa e abstrata capaz de induzir ao sono pessoas, animais e objetos. Na terceira hora, esperei que algum colega levantasse por qualquer motivo – céus, ninguém ia sair pra tomar um ar? Iniciei os trabalhos e fui tirar uma xerox. Qualquer xerox. A moça explicou:
– Esta apostila tem 100 páginas e a gente só tem autorização para tirar 30 xerox por vez, para evitar filas.
– Certo. Mas só há eu aqui, tá todo mundo na aula.
– Só 30.
Incrédula, percebi que ela esperava que eu contasse as páginas. Ninguém no pátio, o andar deserto. Acho deselegante. A apostila se chamava “A Coisa dos Homens” e eu pensei seriamente em presenteá-la com uma cópia, por que só pode estar faltando isso na vida dessa pessoa. Seria um presente útil, que já viria impresso em 50 tons de cinza, posto que a xerox colorida está pela hora da morte. Mas, divago.
Quando voltei à sala, a aula estava acabando, o povo saindo e eu fui buscar minha caneta de volta. O colega que pegou emprestado era barbudo de camisa quadriculada e isso não queria dizer nada, por que TODOS os rapazes da sala eram barbudos de camisas quadriculadas e TODAS as moças com cabelos curtinhos e a faculdade inteira era uma confusão de Marcelos Camelos e Marias Gadú andando numa casa de espelhos replicados ao infinito e eu não sabia mais se procurava pelo hermano ou se aguardava a devolução ali mesmo no pátio com “A Coisa dos Homens” na mão ou se eu ia embora abandonando a minha Bic para sempre e morram todos.
Fui embora.
A má notícia é que estas aulas estão agendadas para todo o verão. O VERÃO INTEIRO, MEODEOSDOCÉU.
A boa notícia é que o mundo se acaba em 21 de dezembro. Salva pelo gongo? Estamos na torcida, Brasil.
Como o mundo não acabou, continuaremos a estudar em qq idioma e com nossos carderninhos retrô, rsrsrsrs… ACABA NÃO MUNDÃO!!!!!!
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