Há clássicos que teriam sido os livros das nossas vidas se a gente apenas tivesse tido o prazer de conhecer dez anos antes. Esse vai entrar na lista dos amores retardatários junto com O Apanhador no Campo de Centeio, Franny and Zooey, On the Road, Espuma dos Dias e outros juvenis que causariam muito mais estrago se tivessem chagado à minha estante antes do manual de instruções da máquina de lavar.
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“Rústico, eu teria feito a viagem à Terra Santa. Tenho na imaginação as planícies do Danúbio, as vistas de Bizâncio, as muralhas de Solimão. O culto à Maria, o enternecimento sobre o crucificado se erguem em mim entre mil magias profanas. Estou sentado, leproso, entre vasos quebrados e urtigas, ao pé de uma parede descascada pelo sol. (…) A gente não parte, retoma o caminho.” (Pág. 21-23)
“De manhã, tinha o olhar tão perdido e um aspecto tão morto que os que me encontraram poderiam simplesmente não ter me visto.” (Pág. 25)
“Vou ser arrebatado como uma criança para brincar no paraíso, esquecido de toda a desgraça. Me digam, existem outras vidas?”
(Pág. 28)
“Sonhava com as Cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem história, guerras de religiões esmagadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.” (Pág. 50)
“Amava o deserto, os pomares queimados, as vendinhas descoloridas, as bebidas quentes. Arrastava-me por ruelas mal-cheirosas e, de olhos fechados, me oferecia ao sol, deus do fogo.” (Pág. 55)
“A moral é a fraqueza do cérebro.” (Pág. 58)
“Tive de viajar, distrair os suplícios reunidos no meu cérebro. No mar, que eu amava como se ele me fosse salvar de uma sujeira, erguia-se a cruz consoladora. Tinha sido condenado pelo arco-íris. A ventura era a minha fatalidade, meu remorso, meu verme. (…) Volto ao Oriente, à sabedoria primeira e eterna.” (Pág. 63)
(Arthur Rimbaud / Uma Temporada no Inferno)