“No último parágrafo de Bartleby, O Escrivão, o narrador menciona um boato que lhe havia chegado aos ouvidos a respeito da vida que levava aquele personagem antes de chegar ao escritório em Nova York. Teria sido ele um funcionário subalterno na Repartição de Cartas Mortas, local para onde eram encaminhadas as cartas extraviadas. Estas cartas estavam condenadas a desaparecer pelas mãos de um destinatário imprevisto: é Bartleby quem, na sua solidão, teria a tarefa de prepará-las para as chamas, que faz arder aquela multidão de páginas dobradas, colocando um fim à sua errância. A atividade não poderia deixar de ser um aprendizado intolerável: enquanto as manuseava, lia a possibilidade de encontros que teria acontecido, mas que não se deram. (…) Entre o remetente e o destinatário há a desmedida das distâncias, não é raro que as cartas, desfazendo as restrições do seu destino, passem a vaguear ao acaso pelo tempo e pela geografia. Podem ser encontradas por alguém, restar no fundo das gavetas, perder-se antes que alguém as tenha lido, desaparecer ou persistir em tantos outros rumos imprevisíveis – seu caminho passa sempre pela interrupção, pelo intervalo. Até chegarem a Bartleby, o derradeiro destino das palavras extraviadas.”
(Maria Carolina Fenati / Gratuita, pág. 12)