Ali, sentados, eram como estranhos. Mas já sabiam-se demais parecidos – os mesmos gestos ávidos, almas de hidrogênio: livres, concêntricos, explosivos, inviáveis. A impetuosidade gêmea no abrir e fechar de portas, aves cientes da própria rapina, talvez prisioneiros do mesmo esforço vão em não rasgar-se em súplicas e lágrimas.
Antes da despedida, olhavam-se mudos. No café do aeroporto, as malas dela esperavam. Frente a frente, calados, evitavam o drama, quanto tempo ainda tinham? Não era o suficiente.
A tarde suspensa, nenhuma palavra – o garçom, as cadeiras, tudo era silêncio. Dois cubos de açúcar boiando em cada xícara – icebergs derretendo sobre o líquido quente feito rochas cedendo à força bruta do mar. Por que, você sabe, icebergs são isso: pedras de água doce sobre oceanos salgados, são a resistência simbólica à força das maiorias – Che, Olga, Zumbi, Gandhi – entregavam-se, diluíam-se, vencidos, de volta ao pó.
Faria diferença se, naquele momento, ele dissesse o que precisava dizer? Talvez a história mudasse de rumo como quem embaralha as cartas ou, talvez, não mudasse nada, bandeira fincada sobre o chão da Lua. E baixou a xícara, cuidadoso – fósforo atirado contra o último bote. Foi levantando os olhos até os olhos dela. E respirou fundo antes de falar.
Minutos depois, a última chamada. As nuvens abrindo passagem no céu. Suspensas no ar, as turbinas ruflavam e a aeronave partia. Sem ela.
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Hidrogênio
Posted in raspas e restos (crônicas), tagged hifrogênio, mariana miranda on maio 19, 2008| 4 Comments »