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Posts Tagged ‘insistir’

Na antiguidade, era hábito dos sultões orientais curvarem-se para jogar um lenço à frente da mulher considerada escolhida. Esta expressão era conhecida na Europa e, quando Napoleão cortejou sua futura esposa, ela descreveu: “Ele jogou o lenço e, com isso, convidou-se para jantar”. Na época, ele era apenas um jovem militar e, ela, uma viúva seis anos mais velha, inteligente e sem herança. Pouco tempo depois, os dois tornaram-se imperadores da França.

Mas “jogar o lenço” era diferente de “jogar a toalha”. Historicamente, nas lutas de ringue, jogar uma toalha aos pés do adversário significa abdicar da partida. Um aceno do pugilista para evitar que o adversário faça um estrago maior sobre o lutador já massacrado, um superlativo para o ato de desistir. Era levantar e dizer: opa, acabou, chega desta merda, fim.

Assim, insistir e desistir eram movimentos muito semelhantes. Se alguém observasse de longe, te visse curvado, olhando de baixo para cima, jogando um tecido aos pés de alguma entidade hipotética, não saberia se você está investindo fortemente naquilo ou se está apenas chutando aquela oferenda. Provavelmente, iria interpretar como bem quisesse. Desejar sempre foi um gesto discreto. Absolutamente particular.

Acredito que, ainda hoje, fazer planos seja bem isso: pense em algo que você quer muito. Agora se imagine tendo que abdicar daquilo. Não seria fácil. Insistir num projeto é difícil, mas desistir também envolve um esforço de despego e desconstrução de castelos tijolo por tijolo igualmente exaustivo. E não há terceira hipótese. O sultão e o pugilista não se entendem por que, no fundo, são muito parecidos.

Penso nisso às vezes por que faço parte de uma geração com muitos castelos inacabados – meus amigos estão envelhecendo e não sei se algum ainda acredita que será imperador da França. Tampouco consiga abandonar a farda. Estamos paralisados. Eu costumava associar qualquer ato de desistência ao gesto de levantar os ombros e sair batendo a porta, como se houvesse sempre uma alternativa mais fácil esperando lá fora – às vezes, não há. Sem os seus planos, o que é que ainda lhe sobra? Dos dois lados da porta, há sempre um piano pra ser carregado.

Observo à minha volta e não saberia dizer quem ainda está jogando o lenço, quem está jogando a toalha ou quem está jogando a si mesmo no chão e esperando que um trem lhe passe por cima. Chega de bobagem, esse trem não vai vir. Acho que desistir também é para os fortes. Acho que desistir é pra quem tem coragem.

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