Durante muitos anos, o maior ícone da política moderna no planeta foi um edifício da cidade de Budapeste. Era o maior parlamento do mundo. Ficava à beira do Danúbio e era enorme: tinha 700 salas e 27 entradas de puro luxo e ostentação. Hoje, lá também funciona um museu e a peça mais visitada do prédio inteiro é um pedacinho de metal. Um porta-charutos.
Devo acrescentar que o objeto é numerado, fica num canto desimportante e parece meio gasto. Dizem que ele se tornou relevante por que cada senador tinha direito a um número. No intervalo entre as sessões, eles fumavam um pouco na varanda, depois deixavam seus charutos lá, cada um no seu lugar certo, para terminarem de fumar nos dias seguintes. Era uma tradição.
O cargo no parlamento era vitalício e, às vezes, quando um senador falecia, os outros precisavam escolher um substituto para a vaga. Depois da eleição, o novato tomava posse da cadeira e de todas as obrigações da função: as pastas, os livros, os processos, quase tudo era imediato. Só o direito ao uso do porta-charutos era conquistado depois, com o passar dos anos. Quando ele se mostrasse à altura do cargo. Se o eleito honrasse o seu antecessor, demonstrando honestidade e empenho. E isso não acontecia no momento da ascensão. Era a coroação de um resultado.
Até hoje, na Hungria, um momento importante dentro do cenário político é o fim de um mandato. É quando se agitam bandeiras e se fazem discursos e acontecem estas manifestações que, aqui, estão associadas a uma vitória nas eleições. Nos baixos trópicos, pouco falamos sobre políticos em fim de gestão. O balanço de um governo consta basicamente na prestação de contas ao Ministério Público, que nem vale uma nota na imprensa, ocupada com novas pesquisas de intenção de votos. Aqui, sinônimo de aprovação popular é o empoderamento de um sucessor ou uma reeleição. Vivemos uma espécie de banquete sem digestão, de prelúdio sem ópera: no dia em que passam a faixa, homens e mulheres mergulham no anonimato sem nenhum rito de passagem, seja de aprovação ou de repúdio. Não se guarda, ao menos nos arquivos da mídia de massa, nenhuma memória exata sobre o que fizeram. Eles só voltam aos palanques caso embarquem em outra escalada por mais um cargo público – num círculo interminável que vem formando ótimos marketeiros e péssimos gestores. Num país realmente preocupado com resultados, nenhuma preparação seria mais importante do que o desfecho.
É certo que os tempos mudaram, que os governos evoluíram, mas talvez a democracia nunca tenha sido tão performática. Na maioria dos países, o período de campanha eleitoral se converteu numa corrida baseada na repetição, na persuasão, no discurso. E é curioso como os eleitores ignoram os índices dos últimos quatro anos, como preferem debater sobre promessas ainda abstratas. Se pensarmos pela lógica húngara, aonde estão os dados? O que temos a dizer sobre os que estão deixando a mesa? Nas últimas décadas, quantos eleitos já tomaram posse no nosso parlamento? Por fim, quantos realmente mereceriam espaço num porta-charutos hipotético por seus resultados?
Provavelmente, não sabemos. Desconhecemos os números. Mas sabemos qual é o slogan e qual o jingle do próximo candidato. Em 2014, voltaremos todos às urnas, cheios de fé e esperança num país melhor e mais justo. Que vença, outra vez, o melhor publicitário.
(Budapeste, 09 de julho de 2009)
Artigo publicado no Jornal Público, de Portugal. Confira aqui.

