Numa beira de estrada, debaixo de uma árvore, dois homens estão esperando por Godot. Parados por dias, meio perdidos, sem nem saber exatamente quem é Godot ou o que ele fará, eles discutem, brigam, ficam exaustos e esperam. Esperam, esperam, esperam. E Godot não chega nunca. E a história acaba.
Esse é o roteiro resumido de uma peça famosa de Samuel Beckett: Esperando Godot, de 1952. Não é um roteiro fácil. Quando ele começou a ser encenado, era normal ver as plateias revoltadas: achavam o texto cansativo, sem sentido, alguns saiam do meio da apresentação, outros queriam o ingresso de volta. A maioria não entendia nada.
Aí um grupo de atores resolveu encenar a mesma peça num presídio. E foi aclamado. Durante os aplausos, perguntaram aos detentos se eles haviam mesmo compreendido aquela história tão difícil. E eles disseram: “É claro que a gente entendeu. A gente está o tempo inteiro esperando Godot”.
É isso. Suponho que não haja nada mais frustrante neste mundo do que apresentar uma obra prima para a plateia errada.
Se você tem tv em casa, caro leitor, você viu a confusão. Cada manifestante com um cartaz pedindo uma coisa diferente. A multidão do Rio se desencontrando em direções opostas, o pessoal de Brasília subindo no Planalto e, depois de chegar lá em cima, acenando sem saber o que fazer. Uma desorganização que só deixa claro que, de fato, não existe um mandante ou uma agenda pré-definida para este movimento. Que a coisa toda é espontânea. E desorganizada, graças a Deus.
Outra hipótese para esta falta de unidade pode ser o excesso de opções. Tente decidir entre protestar contra os gastos com a Copa ou o caos nos transportes ou a PEC 37. O preconceito, a pobreza ou a violência policial? Sarney, Lula ou Feliciano? Fica difícil. E ainda mais difícil ouvir Jabor mudando de ideia, pedindo desculpas por criticar os “revoltosos que não valem nem 20 centavos”. Ele costuma mudar de ideia, né? Deve ser duro ser de direita e reacionário num país onde existe memória – ao menos, eletrônica. Nossos jornais já não vão mais enrolar peixe na feira no dia seguinte. Depois de 30 anos chamando manifestante de baderneiro? Democrata de criminoso? E agora?
Em sua coluna na Rede Globo, nós somos os “revolucionários sem causa relevante”. Iguais àqueles da Revolução Francesa, que começaram aquela algazarra toda por causa do preço do pão. Ou da Revolução Russa, que apedrejaram as janelas de uma fábrica por nada. Vândalos. Na Primavera Árabe, tanto barulho por causa de um imposto sobre a venda de frutas na feira, ah, só causas irrelevantes. Numa reportagem da Folha, perguntaram a uma manifestante por que ela fazia parte do protesto. E ela respondeu: “Olha, eu não consigo imaginar uma razão para não estar aqui, na verdade”.
Mas você demorou de compreender o nosso movimento. É que ele era meio desorganizado, sem manipulação – depois de duas décadas dentro dos escritórios da Globo, deve ser mesmo difícil entender algo assim. Milagrosamente, ele fez sentido para uns cem mil “desocupados”, “rancorosos”, “caricaturas da caricatura”, “revoltosos que não valem nem 20 centavos”. Gente que trabalha, que é honesta, gente que já passou mais de 500 anos do outro lado do muro, esperando por um Godot que não chega nunca. Gente que não aguenta mais esta elite corrompida nos vendendo mentiras no horário nobre. Gente digna, sabe?
Não, você não sabe. Você não tinha mesmo como entender nada disso. Você era só a plateia errada, Jabor.
