A cada convite para lives no Instagram, acho que fica mais evidente essa divisão entre pessoas fitness e pessoas Netflix. Já havia percebido essa rivalidade antes da quarentena e acho que os dois grupos têm muito em comum: eles não saem do lugar e seus progressos são numéricos. Em cima de uma esteira ergométrica ou em cima de um sofá, os dois maratonistas avançam – é possível medir os quilômetros corridos e os capítulos assistido. Mas não vão a lugar nenhum. Não há deslocamento real e os corpos repetem os mesmos movimentos todos os dias numa obediência que deixaria Foucaut comovido.
A verdade é que números tornam a vida administrável. E atividades não numéricas não elegem vencedores. Por exemplo, como obter números que avaliem o êxito de uma experiência de camping? Ou de marcenaria ou de teatro? Só é possível pontuar em atividades que envolvem repetição. E repetições não criam nada.
(Isso não é bem uma crítica. Pode segurar seu squeeze ou seu controle remoto sem constrangimento. Só acho que a gente nunca soube mesmo o que fazer com essa tal liberdade de ir e vir)
Hoje, me peguei pensando numa quarentena ao contrário. Imaginei o aparecimento de um vírus que, ao invés de nos manter confinados, nos expulsasse de casa. E nos obrigasse a estar em constante movimento. Do trabalho para o shopping, do shopping para o cinema, do cinema para a academia, da academia para a faculdade. Todo mundo dormindo poucas horas por noite, proibido de desacelerar. Do escritório para o restaurante, do restaurante para o banco, do banco para o mercado, do mercado para a festa. Consumindo, teclando, trabalhando, produzindo. Sem descanso. Sem trégua. Não seria um inferno?
Talvez esse vírus também te pareça familiar. A gente já estava doente e não sabia.
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