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Posts Tagged ‘aula’

Tenho uma professora que é muito inteligente. Dessas pessoas que leu muito, escreveu muito, viajou muito. Sempre quis saber como ela conseguia administrar tantas atividades – por que eu não consigo administrar nem a minha geladeira – mas tenho tentado me educar a não fazer perguntas desnecessárias. Sempre que pensava no fato de que ela, na minha idade, já tinha lido dez vezes mais do que eu, ponderava que eu tenho duas crianças pra criar, casa, trabalho e não se pode ter tudo nesta vida.

E esse sensato consolo bastaria a qualquer pessoa que não tenha um baratino maluco por informações supérfluas. Na primeira oportunidade: professora, como você conseguiu?

Ela achou graça e respondeu que bebia muito café. Especialmente depois do parto dos SETE FILHOS e da chegada dos DOZE NETOS, já que administrar a família, PALESTRAR PELO MUNDO, GANHAR PRÊMIOS e ser UMA REFERÊNCIA INTERNACIONAL tornavam a rotina meio cansativa, então uma xícara de café era um santo remédio.

Enfim. Agradeci a resposta.

Eu e as minhas perguntas desnecessárias.

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E, então, eu decidi tomar aulas particulares de inglês. Mesmo me gabando de conseguir me comunicar com todo e qualquer bípede com polegar opositor, já era hora de sair do amadorismo e levar esta vocação para a tagarelice mais a sério. Minha amiga indicou um professor:

– E ele é paciente?
– Um monge.

Não demorou mais que algumas semanas para o monge perceber que eu não sabia nada. Que só conseguia me comunicar por que falava absolutamente tudo no tempo presente, como um índio – mariana gostar de praia e andar de bicicleta – e substituía a falta de vocabulário por analogias insólitas – eu ter uma moldura redonda e outra do formato do Bob Esponja.

Juro que tentei acompanhar o áudio das lições – narradas na velocidade 5 do créu – mas Jesus não concedeu. Ficava bovinamente olhando para o papel, balançando a cabeça e ele perguntando:

– Que expressão melhor completa a frase abaixo?
– Help me, God.

E este anjo de doçura e serenidade, em posição de yoga, pedindo reforço aos céus, orando à Nossa Senhora das Portas, questionava:

– Mas, Mariana, a gente já não estudou estes verbos na lição passada?
– Defina estudar.
– Esse conteúdo foi visto na apostila oito…
– Que apostila oito?

Disfarço burrice com Alzamier.

Até que, semana passada, ele perdeu a paciência. No fundo, eu já esperava – como não acredito em aperfeiçoamento, apenas em trocas cármicas de habilidade, fico esperando a hora em que as coisas vão, simplesmente, degringolar. Corrigindo meu exercício, com uma expressão de absoluto descrédito na humanidade, ele aponta para uma das minhas respostas erradas e pergunta: por quê?? E tudo nele me lembrou um daqueles cientistas obcecados que passam anos desenvolvendo um sistema complexo e aprimorado, onde falta apenas colocar o ratinho no labirinto e bicho faz o caminho errado, sempre errado, 548 vezes errado e o cientista sai desesperado, puxando os cabelos, batendo com a testa na parede – por quêêê, meu Deus, por quêêê? – por quê eu não escolhi ser advogado, pasteleiro, adestrador de pulgas, em vez de desperdiçar a minha vida com uma merda de rato estúpido que não consegue entrar no maldito túnel certo nem quando esse é o único caminho possível, hein? Por que raios? Por quêêê?

E eu fiquei olhando para a página do exercício – “complete as lacunas com os verbos” – com aquela cara plácida de about:blank perpétuo e pensando em responder – I don’t know – ou – I’m a creep, I’m a weirdo – ou – Defina completar.

Mas nem respondo nada. E ele respira fundo. Com aquela alma dele de cientista sério, metódico, que coloca o maldito ratinho de volta na gaiola, detendo o impulso natural de esganar o bicho e arrancar a cabeça fora. E recomeça o experimento todo de novo. Assim, com uma paciência oriental. Einstein ficaria comovido. Nilton, segura a minha mão.

Eu realmente não sei por quanto tempo ele vai persistir nisso, mas, por hora, eu certamente tô valendo um Nobel. Ou um diploma de yoga. Ou um lugar no céu.

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