Sempre, na última quinta-feira do mês, oito da noite, um vizinho toca trompete. Vizinho ou vizinha, não sei, nunca vi. Dizem que faz isso há anos, dá pra ouvir de vários lugares, é bonito de acompanhar. Pelo som, desconfio que more a dois ou três quarteirões de mim. Pelo repertório, desconfio que é meu parente. A pessoa toca todas as músicas da minha infância.
(Devo dizer que não são canções infantis. Cresci ouvindo boleros castelhanos nos aniversários, nos natais, nos velórios, meus tios brindam qualquer coisa cantando. Família galega, dada à choradeiras latinas, relevem).
Algumas vezes segui a música pela rua para encontrar a localização exata, quase encontrei. Fico imaginando uma prima perdida tentando se comunicar comigo, mandando um sinal. Esperando que eu entenda. Esperando que eu interfone qualquer dia.
Durante a quarentena, com as ruas excepcionalmente silenciosas, a apresentação fica mais bonita. O pessoal do meu condomínio escuta das varandas e alguns até batem palmas. Dessa vez, não vai dar para sair para procurar o endereço, mas comprei um vinho e carreguei as baterias do gravador. Vou registrar o som, o volume, o vento. Sou boa em procurar as coisas. Preciso apenas que continue tocando.
Portanto, não desista. Falta pouco, prima.
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