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Posts Tagged ‘mariana miranda’

Desde o ano passado, eu tenho ganho muita comida. Fruta, sequilho, lasanha. Ganho de gente que eu mal conheço. Não sei exatamente o motivo do fenômeno, mas suponho que esteja ligado àquele episódio de 2013 (que eu contei aqui) em que eu causei um estouro no microondas.

(Motivo: estava ao telefone entretida em alguma resenha tão aterradora que digitei a minha senha de banco no teclado e o prato foi esquentando e…).

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Enfim.

Na ocasião, achei prudente me apresentar ao síndico me responsabilizando pela explosão, explicando que não sei cozinhar e que aquele microondas era a luz da minha vida, mas que, felizmente, não houve nenhum prejuízo ao condomínio depois daquela Hiroshima toda. E a informação foi repassada aos vizinhos. Não sei com que palavras.

E este foi o início de uma nova era no distante castelo dos Hogwarts.

De repente, eu passei a ganhar bolos. E frango assado. E pão caseiro recheado com uma imoralidade de catupiry. E doces repletos de chocolate belga no seu estado mais endemoniado e eu poderia dizer que sou uma pessoa que tem sorte na vida se não tivesse que conviver, simultaneamente, com o desconforto de tanta popularidade. Desconfiei que meus vizinhos estivessem com pena de mim, uma comoção coletiva, um mutirão em torno da minha cara de cachorro sem dono. Devo ilustrar esta conclusão citando o episódio em que fui comprar frutas lá na rua e o verdureiro, inexplicavelmente, sabia o meu nome e só me ofereceu um abacaxi depois de lavar. E descascar. E fatiar. Em cortar em cubinhos. E finalizar toda a preparação pedindo: minha filha, não se machuque, cuidado com os acidentes domésticos.

Aí essa fama de retardada começou a me irritar um pouco.

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De fato, eu não faço ideia de como se descasca um abacaxi. Estou certa que a empreitada me custaria dois ou três dedos da mão, mas, meus caros, por que tanta preocupação já que A DROGA DA CASA É MINHA E EU ME FACULTO O DIREITO DE EXPLODIR, ESTOURAR E QUEIMAR NA FOGUEIRA DE SATÃ QUANTOS ELETRODOMÉSTICOS EU BEM ENTENDER, POR QUE É TUDO MEEEEU.

Resultado: tomei raiva. Passei a me desapegar daquela mordomia toda. E a distribuir comida. Até por que não dava conta de consumir tudo mesmo, comecei a levar para a agência. Partilhava entre os colegas de trabalho e todo mundo elogiava e me chamava de Ofélia e, curiosamente, ninguém nunca perguntou a receita de nada. NADA. Nunca fui tão popular no escritório.

Aí, enfim, a minha implicância passou. Devo confessar que ainda me irrito um pouco com as demonstrações de misericórdia dos condôminos, mas aceito as ofertas e entendo que a culpa é minha mesmo, sei lá. Me surpreendo com o fato de que é possível ficar muito conhecida, ao mesmo tempo, em dois ambientes próximos, por rótulos exatamente opostos – de vira-latas desnutrida e de super chef gourmet – mesmo que nenhum dos dois seja real. Como definir o que é real?

Imagem pública é um conceito absolutamente abstrato.

Cada vez que me chega outro bolo, eu concluo que eu não entendo mesmo nada de gastronomia. Eu só entendo de publicidade.

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Eu tenho uma amiga chamada Vânia. Ela é professora de dança em Dubai. Como dançarina profissional, ela viaja o mundo participando de eventos artísticos.

Às vezes, quando eu estava tendo um dia chato no escritório, via nas redes sociais as atualizações do localizador dela: Vânia está em um Congresso Internacional de Dança, em Viena. Ou: Vânia está num Cruzeiro de Aperfeiçoamento Musical, no Mediterrâneo. Ou: Vânia está em um Festival de Cultura, em Seul. E isso me dava alguma paz de espírito – pensar que, em algum lugar, ao menos uma de nós estava tendo um dia interessante.

Vânia foi minha colega no colégio. Ela era a roqueira sexy, de cabelo vermelho, piercing e tatuagem. Eu era a nerd militante, de óculos e camisão xadrez. Nem sei dizer por que a gente se dava tão bem. Combinamos de nunca perder o contato. E nunca perdemos.

Ano passado ela veio passar férias em Salvador e a gente se reencontrou. E foi uma festa. E ela me contou sobre todos os países, todas as baladas, todos os hotéis. Sobre a beleza da dança de cada lugar. Sobre as viagens de aventura. Depois contou também que nem todos os dias eram bons, por que é duro não ser de lugar nenhum. E que, às vezes, quando a solidão parecia esvaziar tudo em volta de sentido, ela buscava por notícias do Brasil pelo computador. E via as fotos da minha casa cheia de velhos amigos. Do meu Natal cheio de tios e primos. E gostava de pensar que, em algum lugar, pelo menos uma de nós estava levando uma vida rodeada de amor.

E a gente se despediu outra vez. Ela disse que me mandaria notícias logo que chegasse em Abu Dhabi. Que me enviaria um postal quando fosse à Manila. E me prometeu um incenso de Amã.

E ver Vânia indo embora me partiu o coração.

A verdade é que o sonho de toda funcionária é ter uma vida de aventura e arte ao redor do mundo, livre da rotina e da mesmice. E o sonho de toda andarilha é ter uma casa com cachorro e velhos amigos abrindo a geladeira.

Ninguém nesse mundo é feliz.

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Jacques Henri Lartigue é um fotógrafo curioso por que ele não é fotógrafo. Herdeiro rico, nunca trabalhou. Morava num castelo. Nunca foi à escola nem prestou serviço militar. Nem considerava a fotografia um ofício. Ganhou uma máquina aos oito anos e, durante a vida, foi sendo reconhecido pelos registros que fez aos fins de semana, dos seus próprios hobbies, das viagens em família.

Ficou famoso em todo o mundo.

Penso que esse cara gastou toda a sorte e talento dele numa encarnação só. Complicado. Na próxima, pode vir ao mundo como, sei lá, uma árvore. Um saco de boxe. Um peso de papel.

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(Jacques Henri Lartigue / A Vida em Movimento)

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Cavalo

“Pois que, na solitude de ser estrangeiro, pensando na mobília que havia abandonado e tentando ainda enxergar-me nela, eu me encantei com a sala vazia, com o espaço. E me pus a olhar pra distância, a ver o duplo que me espelha de fora.

(…) Eu sempre me senti estrangeiro, de um jeito ou de outro. Me mudando a cada três anos durante a infância e adolescência, fingindo ter o desprendimento e a coragem que acabei por inventar, mas carregando secretamente a mágoa do desvio, da espera e da volta.”

(Rodrigo Amarante / Cavalo)

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Eles são jovens, belos e mimados, estão vivendo o auge da popularidade e, em algum momento entre os 20 e os 30 anos, vão tomar alguma decisão por capricho que arruinará suas vidas. Algum contemporâneo não se reconhece nesta descrição? Alguém aqui nunca teve a sensação inevitável de, nos últimos anos, ter morrido na praia? É difícil acreditar que não estamos falando de nós mesmos, hoje, agora: impulsivos, perdidos numa virada de século mal explicada, adiando uma vida adulta que já passou da hora, levando até o fim as obsessões mais desbaratadas.

Pretensiosos. Todos os protagonistas de F. Scott Fitzgerald são assim. O autor descreve os jovens americanos dos anos 20 de uma forma tão mordaz que faz essas teorias recentes sobre a geração Y parecerem um museu de grandes novidades. Toda juventude é antiga: a adolescência tardia, as farras mais ousadas, a euforia por um futuro brilhante que, no final das contas, nunca chega, “Destinados a um daqueles momentos imortais que acontecem de forma tão radiante que sua luz é suficiente para iluminar anos” (1922, p. 125). As ruas ainda estão cheias de Anthonys, Glorias e Amorys irresponsáveis, vivendo de festas, jazz, vazio e amores obcecados. Metade do mundo desaprova. A outra metade morre de inveja.

Os romances de F. Scott Fitzgerald sempre surpreendem, mesmo que, no fundo, todos os protagonistas sejam ele e que todas as protagonistas sejam Zelda, em todos os livros. Mesmo depois da briga e da separação, dela adoecer sozinha na Europa: toda a bibliografia dele reescreve mil vezes a mesma história atormentada, interrompida, “uma presteza romântica como jamais encontrei em qualquer outra pessoa e que, provavelmente, jamais tornarei a encontrar” (1925, p.05). Lamentei quando, no ano passado, divulgaram que a canção do filme O Grande Gatsby foi desclassificada às vésperas do Oscar – ironicamente, morreu na praia. A letra era triste, desesperançada, repetia e repetia:

Você ainda vai me amar
Quando eu não for mais jovem e belo?
Você ainda vai me amar
Quando eu só tiver a minha alma amargurada para ofertar?

Em algum momento, todos aqueles personagens se perguntam isso. Quando a festa termina, quando o dinheiro acaba, quando os anos varrem quase tudo e a decadência se aproxima como se duas pessoas estivessem conversando e, no chão, suas sombras se alongassem uma sobre a outra. O que vai acontecer quando não formos mais jovens e belos? O que acontece depois dos bailes, dos diplomas, das conquistas, das vaidades? Essa pergunta já faz quase cem anos, há cem anos ela espera encadernada sobre a prateleira. Outros jovens vão deixando de ser jovens. E, até hoje, ninguém sabe a resposta exata.

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Artigo publicado no jornal Público, de Portugal. Confira aqui

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O Globo de 3 11 2012

(Jornal O Globo, 03 de novembro de 2012)

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