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Tenho boa memória geográfica. Mas, outro dia, esqueci a cor do edifício onde morei, não lembrava muito bem da aparência do prédio, já morei em tantos lugares depois dele. Então comprei um caderno bonito, a ideia era fazer um diário narrando as últimas experiências – sinto que elas precisam estar catalogadas antes de evaporarem da minha cabeça – porém, a mágica não aconteceu. Acho que a intimidade com a caneta se perdeu em algum momento da adolescência. Digitar e arquivar textos no Drive também não funcionou, me sentia conversando com uma bola de vôlei. A verdade é que o pouco que sei sobre narrativa pessoal ainda é muito referenciado no mundo dos blogs – o que envolve, no mínimo, um interlocutor. Precede sentar diante deste confessionário imaginário para contar meus pecados mesmo sem adivinhar o rosto do ouvinte atrás da treliça. Quem sabe esse bondoso anônimo me absolveria recomendando três Pai Nossos, quem sabe não perdoaria nada, mas a adrenalina do convencimento pela argumentação era o encanto da coisa.

Porém, na época em que cheguei aqui (era tudo mato?), a internet era um ambiente bem menos espinhoso – nunca me ocorreu que o blog poderia me expor a algum golpe financeiro ou processo jurídico ou a ofensas violentas. Meu único medo era parecer idiota.

(Houve vezes em que fui idiota e alguém reclamou. Mas ninguém me ameaçava de morte na esquina da minha casa, por exemplo. Eu diria que a internet já me rendeu alguns estresses desnecessários, sabe).

Aí eu tive que encontrar outros caminhos e, hoje, ainda exercito essa tal “adrenalina do convencimento pela argumentação” escrevendo artigos científicos diariamente – e acredito que, se não me pagassem para fazer isso, eu provavelmente faria de graça. Como uma espécie de deformação viciosa que virou profissão, como nos filmes em que o vilão harker é capturado pela polícia e passa a colaborar voluntariamente com o FBI. Não sei fazer outra coisa. Mas o ofício não resolveu tudo – se eu incluísse a cor do prédio em que morei num artigo científico seria bem esquisito.

Eu não pensava em voltar para cá porque, infelizmente, ainda tenho medo da internet, é tipo voltar para uma casa decorada que perdeu o telhado e foi ficando irreconhecível. Mas, por outro lado, o caderno bonito que comprei segue imaculadíssimo dentro da mochila, nunca escrevi uma única página, mas sei que sou capaz de escrever dez posts de blog mesmo se estivesse pendurada de cabeça para baixo com as duas mãos amarradas nas costas, digitando com o nariz. Sinto que não vai ter outro jeito, é voltar para cá ou esquecer de vez dos lugares de onde eu vim.

Por isso, prezado leitor, te convido a fazer as pazes. Vamos conciliar nossas expectativas, ok? É fato que, às vezes, eu vou ser idiota: vou cometer erros de ortografia, defender agroecologia, falar de restaurantes e outras atrocidades. Sinta-se à vontade para discordar, dar um chilique e seguir em paz. Deselegante ficar tentando estourar meus miolos, sabe? Eu acho.

Você pode só vir aqui e recomendar três Pai Nossos, ou apenas encomendar minha alma para o inferno, tudo bem – já era um inferno ter que conversar com uma bola de vôlei. Eu só queria me sentar ali do outro lado da treliça, respirar fundo e contar uma historinha, entende? Não parece difícil. Vamos recomeçar.

Hello, stranger! Seja bem-vindo.

Hoje eu quero te contar a cor do prédio onde eu morei.

Memórias Póstumas

(Memórias Póstumas de Brás Cubas / Machado de Assis)

Hoje, não

Amazônia

(Cumbu e Marajó, abril de 2024)

Aqui no bairro havia um ladrãozinho batedor de carteira que sumia na multidão. Ninguém pegava. Depois de preso, confessou que a estratégia dele era carregar sempre uma gaiola de passarinho. Um rapaz com uma singela gaiola de passarinho estava acima de qualquer suspeita.

Comunicação não verbal é importante.

Hoje, apareci na reunião carregando um BONECO VODU.

As Ondas

“Não precisa ter pressa.

Não há necessidade de brilhar.

Não precisa ser ninguém além de si mesmo.”

(Virginia Woolf / As Ondas, 1931)

Dono

Se o seu caminho exige que você passe pelo inferno, ande como se fosse dono do lugar.

Cuba, abril e maio de 2024.

Festa

Apolítica

Do poeta palestino Marwan Makhoul, pela curadoria de Katia Borges