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Posts Tagged ‘mia couto’

“Todo o meu nascer

foi prematuro.

 

Agora,

em meus filhos

me vou dando às luzes.

 

Descendo, sim,

dos que hão de vir.”

 

(Mia Couto / Biografia)

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“- Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?

– Depende – responde o português.

– O senhor já alguma vez desmaiou, Doutor?

– Sim.

– Eu gostava muito de desmaiar. Não queria morrer sem desmaiar.

O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento de duração temporária. O português, que era um guarda-fronteira da vida, que facilitasse uma escapadela dessas, uma breve perda dos sentidos.

– Me receite um remédio para eu desmaiar.

O português rir-se. Também a ele apetecia uma intermitente ilucidez, uma pausa na obrigação de existir.

– Uma marretada na cabeça é a única coisa que me ocorre.

Riem-se. Rir juntos é melhor do que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.”

(Mia Couto / Venenos de Deus, Remédios do Diabo)

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“Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem
os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo, outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome.”

(Mia Couto / Raiz de Orvalho)

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“Quem não tem amigo viaja sem bagagem.” (Pág. 32)

“Se o cansaço é uma velhice súbita, eu já me contava pelas últimas idades.” (Pág. 41)

“Ambos queríamos partir. Ela queria partir para um novo mundo, eu queria desembarcar numa outra vida. Farida queria sair de África, eu queria encontrar um outro continente dentro de África. Eu nunca seria capaz de me retirar, virar as costas. Eu tinha a doença da baleia que morre na praia, com olhos postos no mar.” (Pág. 90)

“A morte, afinal, é uma corda que nos amarra as veias. O nó está lá desde que nascemos. O tempo vai esticando as pontas da corda, nos estancando pouco a pouco.” (Pág. 118)

“Hoje é domingo. Amanhã também.” (Pág. 137)

“Naquela altura, não havia nenhuma elevação, tudo em volta era planície. O morto começou a crescer debaixo da terra e suas costas encurvaram, empurrando o chão. Foi assim que nasceu a montanha.” (Pág. 150)

“Por que esta guerra não foi feita para vos tirar do país, mas para tirar o país de dentro de vós. Agora, a arma é a vossa única alma.” (Pág. 194)

(Mia Couto / Terra Sonâmbula)

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