“Tal foi Atlântida… hoje, o seu mistério
Sonho eterno do sábio e do romântico
Dorme no fundo do profundo Atlântico
O Atlântico, que imenso cemitério!”
(José Lopes, Ilha de São Nicolau, pág. 28)
.
“Nhô Cacai vem alimentar os seus filhos
Com histórias de sereias
Com histórias das farturas nas Américas
Os filhos acreditam nas Américas
E sabem dormir com fome…”
(Onésimo Silveira, Ilha de São Vicente, pág. 92)
.
“Por que dirão: eis um homem deste século,
um homem de África, debaixo da sua mangueira
e debaixo da sua papeira, um homem
com seu desejo de audiência e história,
sua voz aberta e sua digníssima pele, falando da África deste tempo e de seu povo
seus órgãos do canto.
Um homem que não habita seguro em sua freguesia (…)
e cai sobre a terra quando for tempo de cair
e de se juntar a seus pais, cara a cara, indo pelo caminho de toda a terra,
ao seu tempo, ao tempo determinado,
sem o lamento das Américas ou o escárnio da Europa.
Pois há um tempo para todas as coisas
e para todas as obras. E aqui vos digo:
há um tempo para este povo.”
(Timóteo Tio Tiofe, Ilha de São Vicente, pág. 94)
.
“Eis-me aqui, África
nas tuas entranhas
de onde, afinal
nunca saí.
Eis-me aqui, África
eis-me aqui,
aqui.”
(Mário Fonseca, Ilha de Santiago, pág. 104)
.
“Por que terias que me abraçar
e me chamar de mulher
e abrir a janela e inventar um sol
sussurrar uma canção?
Para quê?
Se foi o tempo de um cigarro?”
(Dina Salústio, Ilha de Santo Antão, pág. 114)
.
“Eu gosto de você, Brasil
porque você é parecido com a minha terra.
Eu bem sei que você é um mundão
e que minha terra são
dez ilhas perdidas no Atlântico,
sem nenhuma importância no mapa.
Eu já ouvi falar das suas cidades:
A maravilhosa Rio de Janeiro,
São Paulo dinâmica, Pernambuco, Baía de Todos-os-Santos,
ao passo que as daqui
não passam de três pequenas cidades.
Eu sei tudo isso perfeitamente bem,
mas você é parecido com a minha terra.
É que seu povo se parece com o meu,
é seu falar português
que se parece com o nosso,
ambos cheios de sotaque vagaroso,
de sílabas pisadas na ponta da língua,
de alongamentos timbrados nos lábios
e de expressões tenríssimas e desconcertantes.
É a alma da nossa gente humilde que reflete
a alma da sua gente simples,
ambas cristãs e supersticiosas,
sentindo ainda saudades antigas dos serões africanos,
compreendendo uma poesia natural
que ninguém lhes disse,
e sabendo uma filosofia sem erudição
que ninguém lhes ensinou.
O gosto dos seus sambas, Brasil, das suas batucadas,
dos seus catetês, das suas toadas de negros,
caiu também no gosto da gente de cá,
que canta e dança e sente
com o mesmo entusiasmo
e com o mesmo desalento também.
As nossas mornas, as nossas polcas, os nossos cantares,
fazem lembrar as suas músicas,
com igual simplicidade e igual emoção.
Você, Brasil, é parecido com a minha terra.
As secas do Ceará são as nossas estiagens,
com a mesma intensidade de dramas e renúncias.
Mas há uma diferença no entanto:
é que os teus retirantes
têm léguas sem conta para fugir dos flagelos,
ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem
porque seria para se afogarem no mar…
Nós também temos a nossa cachaça,
o grog de cana que é bebida rija.
Temos também os nossos tocadores de violão
e sem eles não haveria bailes de jeito.
Conhecem a perfeição de todos os tons
e causam sucesso nas serenatas
feitas de propósito para despertar as moças
que ficam na cama em noite de lua cheia.
Temos também o nosso café da Ilha do Fogo
que é pena ser pouco,
mas – você não fica zangado? –
é melhor do que o seu.
Eu gosto de você, Brasil.
Você é parecido com a minha terra.
O que é é que lá tudo é à grande
e tudo aqui é em ponto mais pequeno…
Eu desejava fazer-lhe uma visita
mais isso é cousa impossível.
Queria ver de perto as cousas espantosas que todos me contam de você
assistir aos sambas nos morros,
estar nas cidadezinhas do interior
que Ribeira Couto descobriu num dia de muita ternura,
queria deixar-me arrastar na onda da Praça Onze
na terça do Carnaval.
Eu gostava de ver de perto o luar do Sertão
de apertar a cintura de uma cabocla
– você deixa? –
e rolar com ela num maxixe requebrado.
Eu gostaria de enfim o conhecer mais de perto
e você veria como sou bom camarada.
Havia então de botar uma fala
ao poeta Manoel Bandeira,
de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima
pra ver como é que a Poesia receitava
este meu fígado tropical bastante cansado.
Havia de falar com você,
com um i no si
– “si faz favor” -,
De trocar sempre os pronomes para antes dos verbos
– “mi dá um cigarro?”
Mas tudo isso são cousas impossíveis – você sabe? – Impossíveis.”
(Jorge Barbosa, Ilha de Santiago, pág. 44)
Read Full Post »