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Posts Tagged ‘caio fernando abreu’

“Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era.”

(Caio Fernando Abreu / Além do Ponto)

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“Mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era.”

(Caio Fernando Abreu / Além do Ponto)

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O primeiro taxista queria conversar. Já saiu do aeroporto descrevendo os bairros da cidade, os pontos turísticos e o melhor hotdog da Avenida Paulista. Falou também sobre os perigos da Zona Oeste e, na passagem, apontou o Centro de Acolhimento dos Haitianos: “é sempre assim, vive cheio de pretos”.

O segundo taxista falou mal do Uber e da falta de água. Eu balançava a cabeça enquanto ele reclamava da Parada Gay, disse que a cidade virava um bordel de viado e ladrão, reclamou da ciclovia e me mostrou a casa da Elke Maravilha, que ainda morava no Centro e ficou velha sem casar: “acho que toda mulher tinha que ter filho, pra cuidar delas na velhice”.

O terceiro taxista fazia parte do movimento religioso Tradição, Família e Propriedade. Ele estava insatisfeito com a política. Discorreu contra nordestinos, judeus e árabes, disse que a culpa de tudo era da Dilma que estava contaminando o país com africano, boliviano, inflação e AIDS.

O quarto taxista pouco falou. Invadiu dois semáforos e avançou sobre a faixa de ciclistas: SEUS FILHOS DA PUTA, QUE VÃO PEDALAR EM CUBA!

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Naquela tarde, eu decidi que iria voltar de metrô.

Mas a estação subterrânea estava parada por causa de uma manifestação contra os episódios de abusos sexuais DENTRO DOS VAGÕES DO METRÔ. Na superfície, havia uma blitz detendo veículos que desobedeceram o RODÍZIO DE PLACAS, os motoboys gritavam “a gente precisa trabalhar!” e alguém começou uma briga. Decidi acenar para o quinto taxista:

– Para a Paulista, senhora?
– Sim.
– Está tudo engarrafado, senhora, um absurdo. Só tem vagabundo, sabe o que eu acho?…

E é isso. Ando ponderando muito sobre as previsões apocalípticas feitas em Calamidade Pública. Penso em Blade Runner, em Ensaio sobre a Cegueira. Não está sendo fácil, São Paulo.

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“Nunca, jamais diga o que sente.
Por mais que te doa, por mais que te faça feliz.
Quando sentir algo muito forte, peça um drink.”

(Caio F. / O Ovo Apunhalado)

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