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Posts Tagged ‘mariana miranda’

CollateralScreen12

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“And more, much more than this,
I did it my way.”
(Frank Sinatra / My Way)  

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Você vai me contar uma história. Onze da noite, garçons limpando o balcão, eu estou no lugar combinado e, de alguma forma, eu já sei disso. Você vai chegar, voz baixa. E vai olhar para os lados antes da primeira frase, por que essa é a sua maneira de procurar as palavras. Se respirar fundo, o assunto é longo, se gaguejar, é grave. Remexe no guardanapo, nas chaves, no cinzeiro. Descruza os braços. Pondera.

Uma vez, a professora pediu para cada aluno descrever a Branca de Neve. Escrevi órfã, pálida, envenenada. Ela mandou chamar a minha mãe. Desde sempre, este esforço para acompanhar o enredo dos textos, tantas vezes o que está escrito não interessa – só a mão suspensa sobre o teclado, as pausas. O interdito que escapa depois das reticências. O baixar dos olhos antes da resposta – o mundo do outro, essa terra estrangeira. Eu tenho tentado chegar mais perto. Sondar a tudo sem movimentos bruscos, sem tropeçar sobre esta ponte frágil. Faz de conta que estamos falando sobre Kant. Faz de conta que estamos falando sobre Bach. Dois centímetros e meio por ano é a acumulação média de detritos pelo tempo, num século muros e cercas dissipam-se em nada. Narramos sem defesa sobre qualquer memória passada e a poeira dos anos assenta sobre o mármore da mesa.

Tantas perguntas. Cada lembrança nos dá um lugar aonde ir quando precisamos continuar aonde estamos. Se não tivermos, em algum canto do coração, um quarto de brinquedos perdido, um pomar longínquo, o quê nesta vida ainda nos restaria? Fala, fala, fala, quase não respiro. Recolho um mosaico confuso, baú chinês, caixa de Pandora – nomes, mapas, segunda, terça, novembro, outono, 1985 – faria alguma diferença se eu dissesse agora que o que houver depois não fará nenhuma diferença? Você vacila antes de falar, te escapa o gesto. Adivinho a paisagem por trás da janela. As histórias banais, a nostalgia do novo – recordações alheias me matam de saudade. Faz de conta que não era longe. Faz de conta que não era tarde. Faz de conta que o futuro cumpriu com tudo o que foi prometido. Me conta sobre o seu cachorro, sobre o seu boneco, o quintal de casa. Agora eu era o seu diário, confessa uma travessura. Divide qualquer coisa antiga que você nunca se esqueceu. E o seu passado não será só seu. E a sua vida não será só sua.

Garçons limpando o balcão, eu aguardo no lugar de sempre. No futuro, talvez eu aguarde em algum lugar hipotético da sua memória. Se você soubesse que chegaria até aqui, teria feito tudo da mesma maneira?

Hoje, senta aqui comigo. Me apresenta o céu e o inferno. Me conta a sua história.

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Duas ou três aspas da coletânea (ou o que foi possível resumir, diante do impulso natural de querer transcrever a obra inteira).

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“Dá-me mais vinho, por que a vida é nada.” (Pág. 21)

“Às vezes, ponho-me a olhar uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, gosto dela por que ela não sente nada. Gosto dela por que não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes ouço passar o vento. E acho que só de ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.” (Pág. 29)

“Quando vier a primavera, se eu já estiver morto, as flores florirão da mesma maneira e as árvores não serão menos verdes que na primavera passada. A realidade não precisa de mim. Sinto uma alegria enorme ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma. (…) Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. Não tenho preferências para quando não puder ter preferências. O que for, quando for, é o que será.” (Pág. 31)

“Os deuses são deuses por que não pensam.” (Pág. 37)

“Não só quem nos odeia e inveja nos limita e oprime. Quem nos ama não menos nos limita.” (Pág. 39)

“Se, em certa altura, tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita. Se, em certo momento, tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim. Se, em certa conversa, tivesse dito as frases que, só agora, no meio-sono, elaboro – se tudo isso tivesse sido assim, seria outro hoje e talvez o universo inteiro fosse insensivelmente levado a ser outro também.” (Pág. 65)

“O automóvel, que parecia a pouco dar-me liberdade, é agora uma coisa onde estou fechado, que só posso conduzir se nele estiver fechado. Que só domino se me incluir nele, se ele incluir a mim.” (Pág. 65)

“Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar e ao volante. Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação. Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra. Cada vez menos perto de mim.” (Pág. 69)

“Quem quer dizer o que sente não sabe o que há de dizer. Fala, parece que mente. Cala, parece esquecer.” (Pág. 92)

“Não sabemos da alma, senão da nossa. As dos outros são olhares, são gestos, são palavras com a suposição de qualquer semelhança no fundo.” (Pág. 105)

“Se alguém bater um dia à sua porta dizendo que é um emissário meu, não acredites. Nem que seja eu. Pois o meu vaidoso orgulho não comporta bater sequer à porta irreal do céu. Mas se, naturalmente, e sem ouvir ninguém bater, fores abrir a porta e encontrares alguém como que à espera de ousar bater, medita um pouco. Esse era meu emissário. E eu. E o que comporta o meu orgulho do que desespera. Abre a quem não bater à tua porta.” (Pág. 106)

(Fernando Pessoa / Tabacaria e Outros Poemas)

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#76

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Há clássicos que teriam sido os livros das nossas vidas se a gente apenas tivesse tido o prazer de conhecer dez anos antes. Esse vai entrar na lista dos amores retardatários junto com O Apanhador no Campo de Centeio, Franny and Zooey, On the Road, Espuma dos Dias e outros juvenis que causariam muito mais estrago se tivessem chagado à minha estante antes do manual de instruções da máquina de lavar.

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“Rústico, eu teria feito a viagem à Terra Santa. Tenho na imaginação as planícies do Danúbio, as vistas de Bizâncio, as muralhas de Solimão. O culto à Maria, o enternecimento sobre o crucificado se erguem em mim entre mil magias profanas. Estou sentado, leproso, entre vasos quebrados e urtigas, ao pé de uma parede descascada pelo sol. (…) A gente não parte, retoma o caminho.” (Pág. 21-23)

“De manhã, tinha o olhar tão perdido e um aspecto tão morto que os que me encontraram poderiam simplesmente não ter me visto.” (Pág. 25)

“Vou ser arrebatado como uma criança para brincar no paraíso, esquecido de toda a desgraça. Me digam, existem outras vidas?”
(Pág. 28)

“Sonhava com as Cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem história, guerras de religiões esmagadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.” (Pág. 50)

“Amava o deserto, os pomares queimados, as vendinhas descoloridas, as bebidas quentes. Arrastava-me por ruelas mal-cheirosas e, de olhos fechados, me oferecia ao sol, deus do fogo.” (Pág. 55)

“A moral é a fraqueza do cérebro.” (Pág. 58)

“Tive de viajar, distrair os suplícios reunidos no meu cérebro. No mar, que eu amava como se ele me fosse salvar de uma sujeira, erguia-se a cruz consoladora. Tinha sido condenado pelo arco-íris. A ventura era a minha fatalidade, meu remorso, meu verme. (…) Volto ao Oriente, à sabedoria primeira e eterna.” (Pág. 63)

(Arthur Rimbaud / Uma Temporada no Inferno)

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nao use com drogas dinheiro

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“Sentia-me à vontade em tudo, isso é verdade, mas ao mesmo tempo nada me satisfazia. Cada alegria fazia-me desejar outra. Ia de festa em festa. Acontecia-me dançar noites a fio, cada vez mais louco com os seres e com a vida. Por vezes, já bastante tarde, nessas noites em que a dança, o álcool leve, o meu desenfrear, o violento abandono de cada qual, me lançavam para um arroubo ao mesmo tempo lasso e pleno, parecia-me, no extremo da fadiga e no lapso de um segundo, compreender, enfim, o segredo dos seres e do mundo. Mas a fadiga desaparecia no dia seguinte e, com ela, o segredo. E eu atirava-me outra vez.”

(Albert Camus / A Queda)

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voce esta lindo

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