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Posts Tagged ‘novela’

“Ali todos vivem como zumbis, tentando se salvar até o dia seguinte, mitigar uma dor que já nem sentem mais. Não há nada de especial nesta minha gente, ela apenas suporta de mansinho este banimento, como eu, como você. E o que Vega queria era me chamar para a vida. Sim, por que eu estava atolado num vilarejo nada sensual (esta porra de lugar não é a maquete do mundo?), cercado de olhos mortos e ela me surgiu, a encarnação de um sonho, me chamando para dançar no fogo.”

(Dênisson Padilha Filho / Eram olhos enfeitados de Sol, 2017)

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Como o Chaplin em Tempos Modernos, que sai da fábrica e continua apertando parafusos, eu me pego imaginando reuniões. Suponho mesas, suponho planilhas. Por exemplo, alguém concluindo que o Carnaval faliu, que a alegria faliu, que é hora de investir na tristeza. A equipe concordando. O assistente sugerindo a criação de um jingle para a tristeza, propondo usar uma rabeca. Rabeca é um instrumento medieval bem solene e fúnebre, precursor do violino, algo que a gente herdou do norte da África. É bom, mas talvez não seja melancólico o suficiente. Aí alguém sugere adicionar uns efeitos de ladainha católica, murmúrios de procissão sertaneja, monocórdios espirais de sacristia. Fica bom, fica histórico. Então, uma assessora argumenta que é necessário colocar uma letra na música. Escolhem um drama barroco: um soneto angustiado de Gregório de Matos, cheio de amor e ódio pela Bahia, num dilema entre as vaidades do mundo e as aspirações do Eterno. Um típico banzo do sagrado, lamentando a nossa humilde existência que evapora em 70 ou 80 anos no vazio da eternidade. E fica bonito, fica austero. Fica quase perfeito. Ninguém mais consegue imaginar nenhum elemento que pudesse tonar a coisa toda ainda mais dramática. Mas aí alguém sugere: e se a gente chamar a Maria Bethânia pra cantar isso?

Mortal Loucura – Maria Bethânia

A sugestão é aceita. Depois de selecionar tudo o que existe de trágico e pungente na Bahia, eles editam e está oficialmente criado o hino mais triste da Terra da Alegria. E decidem que vai tocar no rádio. Todos comemoram brindando com copos de plástico e reunião é dada por encerrada. Eles se despedem, vão embora. A sala fica vazia. E o estagiário apaga a luz.

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