
Posts Tagged ‘quarentena’
Praxe
Posted in havaiana de pau (day life), tagged mariana miranda, quarentena, rotina, tédio on janeiro 25, 2021| Leave a Comment »
Agradar pobre é facil
Posted in na minha rolleiflex (fotos), tagged drinks, fotografia, mariana miranda, piscina, quarentena, sítio on setembro 30, 2020| Leave a Comment »
Choradeiras latinas
Posted in choro baldes (arte), havaiana de pau (day life), tagged canção, carlos gardel, el dia que me quieras, mariana miranda, música, quarentena, tango, trompete, vizinhos on agosto 7, 2020| Leave a Comment »
Sempre, na última quinta-feira do mês, oito da noite, um vizinho toca trompete. Vizinho ou vizinha, não sei, nunca vi. Dizem que faz isso há anos, dá pra ouvir de vários lugares, é bonito de acompanhar. Pelo som, desconfio que more a dois ou três quarteirões de mim. Pelo repertório, desconfio que é meu parente. A pessoa toca todas as músicas da minha infância.
(Devo dizer que não são canções infantis. Cresci ouvindo boleros castelhanos nos aniversários, nos natais, nos velórios, meus tios brindam qualquer coisa cantando. Família galega, dada à choradeiras latinas, relevem).
Algumas vezes segui a música pela rua para encontrar a localização exata, quase encontrei. Fico imaginando uma prima perdida tentando se comunicar comigo, mandando um sinal. Esperando que eu entenda. Esperando que eu interfone qualquer dia.
Durante a quarentena, com as ruas excepcionalmente silenciosas, a apresentação fica mais bonita. O pessoal do meu condomínio escuta das varandas e alguns até batem palmas. Dessa vez, não vai dar para sair para procurar o endereço, mas comprei um vinho e carreguei as baterias do gravador. Vou registrar o som, o volume, o vento. Sou boa em procurar as coisas. Preciso apenas que continue tocando.
Portanto, não desista. Falta pouco, prima.
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Se falar bobagem fosse profissão
Posted in havaiana de pau (day life), tagged confinamento, covid, mariana miranda, quarentena, sem assunto, tédio, trabalho, viagem on julho 28, 2020| 1 Comment »
Hoje, eu estou sem assunto. Digo isso com uma tristeza certamente maior do que a sua, que também deve estar isolado e sem assunto. Por que me dou conta de que não cultivei outras habilidades. Sei que cada pessoa potencializa o que tem de melhor – alguns são belos, outros ricos, outros atletas – e há quem, como eu, não tenha pontuado em nenhum dos gabaritos. Eu aprendi a puxar assunto. Apenas.
Foi uma estratégia típica de qualquer criança gordinha sem maiores atributos para ganhar a afeição dos mais velhos: ser simpática. Eu me equilibrava sobre os silêncios mais constrangedores e podia transformar qualquer diálogo em entretenimento. Cresci sendo convidada para festas de adulto aonde não conhecia ninguém, só para entrar em ação caso o ambiente ficasse chato. Voluntários me levavam para os asilos para alegrar o dia dos residentes. Quando virei professora da faculdade, me chamavam de stand up comedy e ganhei até o crachá de Miss Simpatia no escritório. Se falar bobagem fosse profissão, eu seria presidente do sindicato. Era isso o que eu sabia fazer.
Mas, hoje, eu estou sem assunto.
Sei lá, acho que as notícias terríveis do jornal e a sobrecarga de trabalho andam esvaziando a minha mente. A solidão também. Como assim, meu alecrim dourado? – pode perguntar o leitor confuso, já que eu não fiquei sozinha NEM UM MINUTO em ambiente NENHUM nos últimos anos. Explico. Mentira, não explico. Não sei dizer por que estou me sentindo sozinha. Talvez eu não tenha nada de novo para falar e repetir as mesmas coisas seja o mesmo que ficar calada.
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Estou tendo problemas com isso por que eu vivo de criar conteúdo. Acredite, estou tendo dificuldade até para colocar as crianças para dormir. Faz tempo que eu desisti de ler os clássicos – não sei como explicar como a vovó da Chapeuzinho Vermelho foi arrancada da barriga do lobo vivo sem que tudo pareça sangrento e macabro, a cena dos três porquinhos preparando um caldeirão para escalpelar o lobo também não me parece muito pedagógica – então eu simplesmente contava como foi o meu dia. Contava do meu trabalho, dos meus amigos, contava que eu corri atrás do caminhão de lixo para fazer selfie com os garis, que me emprestaram um patinete para procurar meu carro no estacionamento do shopping. Elas adoravam. Mas acabou. Quando chega a hora da historinha, eu não tenho mais o que falar. Agora eu conto carneirinhos
lentamente
até o número
du
zen
tos.
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Com algum atraso, estou me dando conta que tinha uma vida até interessante. Repleta de todos os problemas do mundo, menos o tédio. Não há malabarismo cognitivo que preencha uma agenda sem acontecimentos, o que tem para conversar se você não fez nada de doido a semana inteira?
– como vai você?
– bem, e você?
– bem também.
– que bom.
– …
(Silêncio, no hay banda).
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Por fim, o meu diário do confinamento está sendo um fiasco, não passei da décima página, me recuso a ficar narrando que, hoje, fez frio e a roupa do varal não secou. Que eu trabalhei bastante no computador. Que inclusive, hoje, eu até fiz um bolo!
(Essa parte do bolo foi figurativa. Eu nem sei ligar o forno).
Imagino uma vida paralela, acontecendo em algum lugar. Misturo passado e futuro, um futuro maravilhoso. Inverno de 2023, um dia de chuva em Amã. Uma vida dinâmica, cheia de acontecimentos. As vidraças embaçadas por causa do fumo e da lareira, eu tomando um chá e conversando sobre os mouros, sobre a Greta, sobre a Florbela, ouvindo o moreno narrar sobre Salinger – quem quer flores depois de morto? – sorrindo com 38 dentes brilhantes para mim, todo aquele ambiente de ruas milenares lá fora e uns carros para queimar, por que revoluções não se deflagram sozinhas. Nos jornais, notícias de um mundo melhor acontecendo. Outra xícara de chá, outra pauta despachada. Olha, a chuva parou agora. Pega a mochila. Vamos voltar para a estrada.
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E, aí, eu faria um bom diário. E trabalharia bastante, solta pelo mundo. Prometo em breve voltar a fazer a única coisa que eu sei fazer. Lamento por hoje, meu amigo, mas eu estou completamente sem assunto.
Maratonistas que não vão a lugar nenhum
Posted in havaiana de pau (day life), tagged confinamento, coronavírus, crônica, foucaut, mariana miranda, netflix, quarentena, reflexão on maio 8, 2020| Leave a Comment »
A cada convite para lives no Instagram, acho que fica mais evidente essa divisão entre pessoas fitness e pessoas Netflix. Já havia percebido essa rivalidade antes da quarentena e acho que os dois grupos têm muito em comum: eles não saem do lugar e seus progressos são numéricos. Em cima de uma esteira ergométrica ou em cima de um sofá, os dois maratonistas avançam – é possível medir os quilômetros corridos e os capítulos assistido. Mas não vão a lugar nenhum. Não há deslocamento real e os corpos repetem os mesmos movimentos todos os dias numa obediência que deixaria Foucaut comovido.
A verdade é que números tornam a vida administrável. E atividades não numéricas não elegem vencedores. Por exemplo, como obter números que avaliem o êxito de uma experiência de camping? Ou de marcenaria ou de teatro? Só é possível pontuar em atividades que envolvem repetição. E repetições não criam nada.
(Isso não é bem uma crítica. Pode segurar seu squeeze ou seu controle remoto sem constrangimento. Só acho que a gente nunca soube mesmo o que fazer com essa tal liberdade de ir e vir)

Hoje, me peguei pensando numa quarentena ao contrário. Imaginei o aparecimento de um vírus que, ao invés de nos manter confinados, nos expulsasse de casa. E nos obrigasse a estar em constante movimento. Do trabalho para o shopping, do shopping para o cinema, do cinema para a academia, da academia para a faculdade. Todo mundo dormindo poucas horas por noite, proibido de desacelerar. Do escritório para o restaurante, do restaurante para o banco, do banco para o mercado, do mercado para a festa. Consumindo, teclando, trabalhando, produzindo. Sem descanso. Sem trégua. Não seria um inferno?
Talvez esse vírus também te pareça familiar. A gente já estava doente e não sabia.
Longe de tudo
Posted in na minha rolleiflex (fotos), tagged fazenda, fotografia, fotos, isolamento, mariana miranda, natureza, quarentena, sítio on abril 29, 2020| Leave a Comment »
O Amor nos Tempos do Cólera
Posted in raspas e restos (crônicas), tagged corona vírus, coronavírus, mariana miranda, pandemia, quarentena on abril 7, 2020| 4 Comments »
Esta quarentena está me fazendo lembrar de tantas outras. Talvez você tenha já tenha vivido alguma. Momentos em que, de repente, seus planos foram adiados e você entrou num período cinzento de espera. Um problema, um emprego, uma doença, um ambiente social indesejado. Se uma situação já te aprisionou por muito tempo, você já viveu uma quarentena.
E acho que os sintomas de qualquer quarentena são sempre os mesmos.
Você tem a sensação de que sua vida está parada. Os dias parecem longos e iguais. Você perde muito tempo na internet, fica irritado por bobagem. Come o tempo todo. Dias e noites se misturam numa longa insônia – hoje é quarta ou quinta? Hoje é domingo. E, amanhã, também.
Geralmente, no início do isolamento, a gente faz questionamentos, fica teorizando sobre o problema. Depois, se sente apenas exausto e até evita falar no assunto. Começa montando um cronograma para superar aquela fase ruim – estudos, exercícios, meditação – mas tudo termina em frustração no sofá. Você arruma as gavetas, joga muita coisa fora. Encontra fotos antigas. Pensa em telefonar para pessoas que você não vê há anos. Você se arrepende das coisas que não fez quando ainda dava para fazer alguma coisa. As lembranças te dão um lugar para onde ir quando você precisa continuar aonde está.
Numa quarentena, você vê a chuva pela janela do apartamento. A palavra apartamento significa apartado, separado, isolado. Sim, você se sente muito apartado. Há momentos em que você se pega tendo inveja de quem está bem, curtindo a vida. Em outros, você se sente culpado por todos os seus privilégios. Você reflete sobre a solidão e a vulnerabilidade no mundo. Você se sente sozinho e vulnerável.
Você pode sentir falta de ver gente. Ou sentir falta da pessoa que você se tornava quando estava em público. Como naquele conto de Machado de Assis, onde um militar é designado para vigiar um sítio vazio durante semanas. Mesmo estando completamente sozinho – poderia andar pelado, se quisesse – ele veste a farda todos os dias. Não gostava do que via no espelho quando estava sem ela. Se sentia perdido sem aquela farda.
Bem, acho que toda rotina social inclui muitas fardas. E uma quarentena repentina te despe de um jeito cruel – ela revela tudo aquilo o que você não é. Você não é o seu emprego, a sua vida social, o seu modo de vestir, de viajar. Você não é o seu talento para deixar uma boa impressão nas pessoas – especialmente quando não há ninguém para quem exibir essa figura fabulosa que você imagina ser. Só sobra, no espelho, um ser humano despido de tudo. Apenas isso. Você consegue gostar desse cara?
A pior quarentena é a que não tem data para acabar. Você fica à deriva pelas redes sociais, esperando algo acontecer – Esperando Godot, diria Beckett. Eu costumo comparar esses isolamentos a uma viagem marítima. Imagine que um deslocamento de 100 km por terra significa ver paisagens, pessoas, movimento. Já os mesmos 100 km num navio equivalem a um horizonte estático, sem início nem fim, onde você perde a noção dos dias. Você se sente confinado naquela imensidão, sem saber se falta um dia ou um ano para chegar a algum lugar.
E, já que falamos em oceano, me diga: quem você levaria contigo para uma ilha deserta? Essa era uma pergunta comum nos antigos questionários adolescentes. Era engraçado por quê todas respondiam a mesma coisa: o Leonardo DiCaprio. Hoje, imagino que o isolamento que a maioria de nós está vivendo não está acontecendo numa ilha deserta – lamento, gente – e tampouco nos deram chance de escolher com quem dividir essa ilha – desculpa, Léo – mas a pergunta é tão atual. Uma quarentena congela a nossa vida subitamente no hoje. Se você ficou confinado exatamente com quem você escolheria, você é uma pessoa de sorte. Isso inclui quem desejou estar apenas consigo mesmo. Mas, se sua ilha não é nada do que você sonhou, talvez algo precise mudar.
Essa história de navios e ilhas me fez lembrar de O Amor nos Tempos do Cólera. No último capítulo, levantam a bandeira amarela: é anunciado que o navio entrará em quarentena. Que alegria. Finalmente eles poderiam navegar sem roteiro. Agora estavam sozinhos, longe de tudo, livres do mundo e tinham a chance de viver intensamente aquele momento. Era uma grande oportunidade. A quarentena é o final feliz.
Cientificamente, a palavra quarentena significa o prazo para algo se revelar: um sintoma, um diagnóstico. Sei de quarentenas que duraram dias, outras que duraram anos. Sei de gente que passou a vida aprisionado onde não queria estar e de gente que nunca percebeu que estava aprisionado. Isolamentos fazem a gente questionar se estamos vivendo a vida errada, na cidade errada, no planeta errado. Mas também nos aponta dádivas que, de outro jeito, a gente não perceberia.
Quarentena é revelação. E um navio bem grande, do tamanho do mundo, está em quarentena. É uma tragédia. E é, também, uma grande oportunidade.
Acalme o coração. Levante a sua bandeira amarela.
Quantas quarentenas você já viveu? O que esta quarentena quer revelar para você?





