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Posts Tagged ‘mariana miranda’

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“Eu não tinha percebido que o meu verdadeiro super poder era não ter obrigações. Eu podia fazer o que eu quisesse. Como eu ia saber que, um dia, enquanto eu procurava a segurança da vida adulta, eu iria perder esse poder? Eu tenho 41 anos agora. Não consigo acreditar em quão pouco tempo eu consegui segurar esse poder. Não consigo acreditar que abri mão dele tão rápido.”

(A Nova Vida de Toby / Taffy Brodesser-Akner)

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“Já foi à Europa Ocidental? Lembro de quando fui à Varsóvia, quando eu era adolescente. Ainda era um regime comunista radical, que não aprovo. Estar lá foi muito interessante. Depois de duas semanas, algo dentro de mim mudou. A cidade era cinzenta e triste, mas, depois de algum tempo, meus pensamentos clarearam. Passei a escrever mais no meu diário ideias que nunca tivera. Levou um tempo para eu entender que eu tinha mudado. Um dia, eu passei por um cemitério judeu e, não sei por que, percebi, enquanto estava lá, estava sem fazer o que costumava havia duas semanas. A tv transmitia numa língua que eu não entendia, não havia nada para comprar, não havia propaganda. Então, eu passei meu tempo caminhando, pensando e escrevendo. Meu cérebro estava descansado, livre da agitação frenética. Era como se eu tivesse entorpecida. Eu sentia calma interior, não queria estar em outro lugar, fazendo compras. Primeiro, foi um tédio, mas acabou enaltecendo minha alma. Foi interessante, entende?”

(Antes do Pôr do Sol/ Richard Linklater, 2004)

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Que roteiro fabuloso…

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Perdoem-me a heresia da comparação, mas hoje eu lembrei de George Orwell.

Durante a Guerra Civil Espanhola, o ainda jovem Orwell alistou-se voluntariamente para lutar contra o fascismo. Foi enviado para os arredores da cidade de Huesca, vivendo numa trincheira feita de lama e detritos. Nas ofensivas, o general costumava apontar para a muralha e gritar: amanhã tomaremos café em Huesca! O que nunca aconteceu, visto que eles nunca conseguiram tomar a cidade, mas, para Orwell, foi aquela promessa de banquete que o manteve vivo e permitiu sua volta para casa.

Note que o general não prometeu medalhas e condecorações, não afiançou que iria erigir um monumento com o nome de cada soldado. Ele prometeu bolos e croissants numa cidade a 900 metros deles. Cabe reconhecer, não era um projeto descabido.

Nestes últimos anos, em que o fantasma do fascismo voltou a assombrar, noto que cada um adotou sua própria estratégia de sobrevivência e eu acho que encontrei a minha. Fugir.

Nem que seja por algumas semanas.

Outro dia, no Airbnb, eu vi a imagem de um lugar. Uma cabana de madeira da década de trinta. Piano e lareira, renas e ovelhas, um desses cenários que ilustrariam o paraíso em folhetos evangélicos, mas com um acréscimo: ela estava rodeada por montanhas de neve de onde despencavam SETENTA E DUAS cachoeiras. E a água se dissipava antes de tocar o chão, criando uma poeira d’água que formava um ARCO-ÍRIS PERENE.

Uma das imagens mais idílicas que eu já vi na vida, nem os protestantes imaginaram algo tão celestial.

No site de hospedagem, achei graça dos comentários dos hóspedes anteriores. Depois de pernoitarem naquele pedaço do Olimpo, lamentavam não haver lá um roupão de banho ou um cinzeiro ou qualquer outra banalidade que me pareceria irrelevante quando se está habitando o eldorado platinado. Se aquele oásis não agradou a todos, o quê neste mundo agradaria??

Por fim, para minha surpresa, a casa me era acessível. Eu poderia alugá-la, se quisesse. Eu não esperava por isso. Tive um momento de hesitação, como alguém que recebe mais do que deveria aceitar. Tudo naquela paisagem era esplendoroso demais para uma vida prosaica demais. Eu fiquei mesmo hesitante.

Mas lembrei de Orwell. E, sem nenhum tipo de planejamento, aluguei a casa das 72 cachoeiras.

Dentro ou fora da guerra civil, soldados precisam de um sonho para viver. Amanhã eu vou tomar café em Huesca e seja o que Deus quiser.

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Perguntei se ela não pensava em morar de novo no Brasil, mas ela disse que não. Que ela até queria muito, mas que ser uma estrangeira com cara de gringa andando por Salvador chamava atenção de um jeito insuportável. Me fez lembrar Lispector, no conto Tentação: “Ser ruivo numa terra de morenos era uma revolta involuntária”. Me fez lembrar como é uma merda não se sentir incluído.

A gente havia se conhecido anos antes, quando ela ainda morava em Salvador, num apartamento sem móveis onde estava acontecendo uma típica festa estranha com gente esquisita. Nem me perguntem como fui parar lá. Eu não conhecia ninguém e sentei no chão ao lado de uma figura com sotaque francês que me ofereceu – um drink? uma cerveja? um cigarro? – uma flor de papel crepom para colocar no cabelo e foi falando comigo como se tivéssemos continuando uma conversa anterior – pois a aula de percussão foi mesmo incrível, mas você também não acha super difícil tocar bongô? – Olha, eu acho quase impossível.

Dias depois, nesta cidade de três milhões de habitantes, nos encontramos por acaso dentro de um ônibus lotado e eu lhe estendi o meu número de telefone anotado:

– Bora marcar num café para terminar aquele papo, sábado estava impossível conversar naquele lugar aleatório. 

– Aquele lugar aleatório era a minha casa kkkkk e, sim, a gente pode se encontrar de novo!

E nos encontramos. No bar, depois da faculdade. Em outras festas estranhas. Nos albergues lotados, cachoeiras, a gente tem foto em todo lugar. Quando ela desistiu de morar no Brasil e voltou para a Europa, foi minha vez de emigrar para um apartamento sem móveis do outro lado do mundo. Ela foi me visitar e ficou dormindo num colchão na sala vazia. Acordava cedo, fazia café e ficava na janela falando de um jeito filosófico:

– Você precisa mudar de endereço…

– Como assim? Esse apartamento é enorme, tem fogão eletrônico!

– Não tem paisagem na janela. Quando você lembrar do país em que viveu, sua primeira lembrança não vai ser a dos pontos turísticos, vai ser da paisagem da sua janela.

Eu olhei pela janela. E entendi do que ela estava falando. Um mês depois, eu já estava morando em outro lugar. 

– O que achou do meu endereço novo?

– Menos aleatório.

Uma vez, quando a gente andava pelas ruas de Lisboa de madrugada, ela implicou que eu precisava conhecer Paris.

– Soube que Paris fede e é cheia de gente mal educada. 

– Isso é bem verdade. Mas é muito perto daqui, você precisa ir.

– Fazer o quê lá??

– Talvez para poder falar mal com mais propriedade. Existem experiências nessa vida que são emblemáticas demais para a gente nem experimentar.

E eu fui a Paris uma vez, depois fui de novo. Nunca deixei de falar mal, mas tinha muito mais elementos para dissertar o meu descontentamento. Detestava a capital da França dessa maneira apaixonada com que a gente odeia algo que é grandioso demais para ser ignorado. Era um prazer descrever cada rua, cada cafeteria, cada esquina de marquises vermelhas e o quanto elas eram insuportáveis, eu tinha material para reclamar uma vida inteira. Voltei uma terceira vez só para ter mais argumento.

Ironicamente, a cidade a quem eu devotava os meus melhores elogios me decepcionou. A volta para Salvador foi de uma desolação kafkaniana, foi como adentrar uma vila abandonada. As portas estavam emocionalmente fechadas, as ruas desertas, não havia mais nada. Quando Gaelle me ligava falando da sua vontade de voltar para a Bahia, eu falava da minha vontade de ir embora da Bahia. Depois, a gente ponderava. Havia isso de não nos destacar, o privilégio de ser mais um. Ela reconhecia que era melhor para ela estar na França e eu reconhecia que era melhor para mim estar no Brasil. A gente já sabia o quanto era uma merda não se sentir incluído.

Agora, ela me ajudava com as tarefas de correspondente, eu enviava as revistas pelo correio para ela praticar o português. E eu imaginava a gente envelhecendo nos dois lados do Atlântico, espelhos invertidos, pessoas que tinham o mundo nas mãos, mas que optaram pelas próprias aldeias. Nunca soube ao certo se isso seria um final feliz. Na verdade, nunca me ocorreu que poderia ser um final.

Hoje, eu estou de coração partido. Como não sentia há alguns anos, as portas fechadas, as ruas desertas. Ninguém do outro lado da linha. Com aquela urgência de viver que só uma morte próxima nos trás. Existem experiências nessa vida que são emblemáticas demais para a gente não experimentar – mesmo que sejam breves, mesmo que não durem para sempre. São vivências tão grandiosas que não podem ser ignoradas. Nunca foi sobre Paris, sempre foi sobre a presença dela.

Hoje, eu fiquei mais só deste lado do Atlântico. Sozinha nesta festa estranha. O mundo inteiro é um lugar aleatório. Sem nenhuma paisagem na janela.

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Só mais esse

Resistir é cansativo. Por que resistir é todo dia. Não conheço imagem que ilustre melhor a exaustão da resistência que a de um trecho de Bukowski em que ele está falido e arranja trabalho num frigorífico. O serviço consistia em descarregar caminhões repletos de novilhos cortados ao meio para armazená-los do outro lado do pátio. Ele coloca metade de um novilho nas costas e leva até lá. É pesado, é difícil. Ele fica pensando: “Ah, meu deus do céu, que fim levaram as noites suaves e tranquilas? Por que isso não acontece ao Walter Winchell, que acredita piamente no Sistema Americano? Não fui um dos mais brilhantes alunos de Antropologia? O que foi que houve?”. Depois volta e carrega mais outro. E mais outro. As costas machucadas, as pernas fracas, ele dizendo para si mesmo – só mais esse. Como se cada novilho carregado fosse o último – só mais esse. A noite caindo – só mais esse.

Se resistir é cansativo, então seria de se esperar que seu antônimo – desistir – fosse um conceito revigorante e bem-disposto, mas quase nunca é. A ideia de desistir chutando um balde metafórico numa revanche redentora é, sem dúvidas, uma ideia adolescente, acredito que a chance disso acontecer seja sempre inversamente proporcional à idade do sujeito. Adultos desistem por abandono. Adultos estão simplesmente exaustos.

Abandonam a vontade de mudar as coisas. Se abandonam numa rotina mediana, no sofá, em frente à tv. Lembro que, no livro As Virgens Suicidas (1993), o ato de se abandonar não acontece de repente, mas num esvaziamento lento. O cotidiano da protagonista vai se distanciando dela, como quem assiste ao filme da própria vida, seu próprio quarto vai parecendo irreal e mesmo os conselhos das pessoas queridas preocupadas com a sua saúde soam como vozes que se escuta debaixo d’água, um zumbido que se afasta até mergulhar no silêncio total.

O cansaço confunde as coisas. Cansaço é não querer ouvir explicação para mais nada, é perder a paciência com o mundo. É querer que o tempo passe rápido, é ter vontade de ir embora para um lugar que nem existe. Suas portas emperram, suas rodas travam, seu corpo inteiro é feito de areia movediça, novas manchetes se atulham no corredor da existência, quem segura essa avalanche de notícia ruim? No fundo, ninguém está bem. Reconheço de longe os olhos baixos de quem pensa em desistir. No fim das contas, você não perdeu a fé. Você está apenas exausto.

No conto do Bukowski, ele subitamente deixa o emprego. Pede demissão jogando tudo para cima, nega o patrão, nega aquela comunidade doentia e o sistema econômico do país inteiro – dessa maneira explosiva que todos nós gostaríamos, é uma delícia de ler. Da poltrona, a gente vira a página com um meio sorriso. Bukowski não tinha nada a perder. Ele é completamente irreal.

Dizem que as utopias não morrem nas guerras, elas definham por um lento desinteresse. Reconheço no espelho os olhos de quem pensa em desistir. A realidade é pesada, a resistência é um pátio largo. A cada novo dia, eu penso.

Meu Deus.

Só mais esse.

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@Sulains

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