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Posts Tagged ‘mariana miranda’

Na antiguidade, era hábito dos sultões orientais curvarem-se para jogar um lenço à frente da mulher considerada escolhida. Esta expressão era conhecida na Europa e, quando Napoleão cortejou sua futura esposa, ela descreveu: “Ele jogou o lenço e, com isso, convidou-se para jantar”. Na época, ele era apenas um jovem militar e, ela, uma viúva seis anos mais velha, inteligente e sem herança. Pouco tempo depois, os dois tornaram-se imperadores da França.

Mas “jogar o lenço” era diferente de “jogar a toalha”. Historicamente, nas lutas de ringue, jogar uma toalha aos pés do adversário significa abdicar da partida. Um aceno do pugilista para evitar que o adversário faça um estrago maior sobre o lutador já massacrado, um superlativo para o ato de desistir. Era levantar e dizer: opa, acabou, chega desta merda, fim.

Assim, insistir e desistir eram movimentos muito semelhantes. Se alguém observasse de longe, te visse curvado, olhando de baixo para cima, jogando um tecido aos pés de alguma entidade hipotética, não saberia se você está investindo fortemente naquilo ou se está apenas chutando aquela oferenda. Provavelmente, iria interpretar como bem quisesse. Desejar sempre foi um gesto discreto. Absolutamente particular.

Acredito que, ainda hoje, fazer planos seja bem isso: pense em algo que você quer muito. Agora se imagine tendo que abdicar daquilo. Não seria fácil. Insistir num projeto é difícil, mas desistir também envolve um esforço de despego e desconstrução de castelos tijolo por tijolo igualmente exaustivo. E não há terceira hipótese. O sultão e o pugilista não se entendem por que, no fundo, são muito parecidos.

Penso nisso às vezes por que faço parte de uma geração com muitos castelos inacabados – meus amigos estão envelhecendo e não sei se algum ainda acredita que será imperador da França. Tampouco consiga abandonar a farda. Estamos paralisados. Eu costumava associar qualquer ato de desistência ao gesto de levantar os ombros e sair batendo a porta, como se houvesse sempre uma alternativa mais fácil esperando lá fora – às vezes, não há. Sem os seus planos, o que é que ainda lhe sobra? Dos dois lados da porta, há sempre um piano pra ser carregado.

Observo à minha volta e não saberia dizer quem ainda está jogando o lenço, quem está jogando a toalha ou quem está jogando a si mesmo no chão e esperando que um trem lhe passe por cima. Chega de bobagem, esse trem não vai vir. Acho que desistir também é para os fortes. Acho que desistir é pra quem tem coragem.

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“Talvez pela primeira vez em minha curta vida, senti, quase até o limiar da minha compreensão e da consciência, como tão indizivelmente duas criaturas humanas bem intencionadas uma com a outra podem desentender-se, atormentar-se e torturar-se reciprocamente.” (pág. 37)

“Goethe disse em Egmont: o homem pensa que dirige a sua vida, que se conduz. Mas o seu íntimo é arrastado irreversivelmente na direção do seu destino.” (pág. 64)

“Ela não resistiu ao convite, nem ao sorriso jovem que brilhou por um momento no rosto triste do homem, conferindo-lhe uma estranha beleza, como um papel de parede vistoso que alegra a última parede de uma casa incendiada e em ruínas.” (pág. 94)

“Nunca se era mais completamente abandonado por uma pessoa íntima do que quando essa pessoa dormia. E, como tantas vezes antes, veio a ideia da imagem de Jesus a sofrer no Jardim das Oliveiras sufocado pela angústia da morte, enquanto os discípulos dormiam e mais dormiam.” (pág. 104)

(Hermann Hesse / O Último Verão de Klingsor)

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“Sorria e aceite. Isso é melhor que a outra alternativa.”

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(Charles Bukowski / Queimando na Água, Afogando-se na Chama)

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O primeiro taxista queria conversar. Já saiu do aeroporto descrevendo os bairros da cidade, os pontos turísticos e o melhor hotdog da Avenida Paulista. Falou também sobre os perigos da Zona Oeste e, na passagem, apontou o Centro de Acolhimento dos Haitianos: “é sempre assim, vive cheio de pretos”.

O segundo taxista falou mal do Uber e da falta de água. Eu balançava a cabeça enquanto ele reclamava da Parada Gay, disse que a cidade virava um bordel de viado e ladrão, reclamou da ciclovia e me mostrou a casa da Elke Maravilha, que ainda morava no Centro e ficou velha sem casar: “acho que toda mulher tinha que ter filho, pra cuidar delas na velhice”.

O terceiro taxista fazia parte do movimento religioso Tradição, Família e Propriedade. Ele estava insatisfeito com a política. Discorreu contra nordestinos, judeus e árabes, disse que a culpa de tudo era da Dilma que estava contaminando o país com africano, boliviano, inflação e AIDS.

O quarto taxista pouco falou. Invadiu dois semáforos e avançou sobre a faixa de ciclistas: SEUS FILHOS DA PUTA, QUE VÃO PEDALAR EM CUBA!

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taxi hitler

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Naquela tarde, eu decidi que iria voltar de metrô.

Mas a estação subterrânea estava parada por causa de uma manifestação contra os episódios de abusos sexuais DENTRO DOS VAGÕES DO METRÔ. Na superfície, havia uma blitz detendo veículos que desobedeceram o RODÍZIO DE PLACAS, os motoboys gritavam “a gente precisa trabalhar!” e alguém começou uma briga. Decidi acenar para o quinto taxista:

– Para a Paulista, senhora?
– Sim.
– Está tudo engarrafado, senhora, um absurdo. Só tem vagabundo, sabe o que eu acho?…

E é isso. Ando ponderando muito sobre as previsões apocalípticas feitas em Calamidade Pública. Penso em Blade Runner, em Ensaio sobre a Cegueira. Não está sendo fácil, São Paulo.

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Tenho vontade de explicar que sou filha de pais divorciados. Durante a vida inteira, passei metade da noite de Natal numa casa e, a outra metade da noite, em outra. Todos os meus recessos de férias foram divididos palmo a palmo entre as duas famílias. Os aniversários e feriados também. Me formei em duas profissões. Cursei dois mestrados. Tenho dois empregos. Morei em dois países. Sou do signo de Gêmeos. Não me lembro de estar diante de nenhuma decisão que não incluísse opções igualmente atrativas e, hoje, tenho serena convicção dos meus direitos inatos, acho que reivindicar o melhor dos dois mundos é plenamente justificável. Eu não poderia ser diferente. Entre o bolo e o sorvete, eu quero ambos, eu pago o dobro, eu exijo os dois.

É isso que eu tenho vontade de explicar, às vezes. Cada vez que alguém me olha assim, exausto, paciente, esperando por uma decisão objetiva. Esperando por uma escolha. Como se isso fosse possível.

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“Tudo é mais complicado do que você pensa, você vê apenas um décimo do que é verdade. Há um milhão de intertextos anexados a cada escolha que você faz, você pode destruir a sua vida cada a cada escolha, mesmo que leve 20 anos para perceber. (…) E, mesmo que o mundo continue por séculos e séculos, você está aqui por uma fração de uma fração de segundo. A maior parte de seu tempo é gasto depois de você estar morto ou quando você ainda não tinha nascido. Mas, enquanto está vivo, você espera em vão, desperdiçando anos por um telefonema ou uma carta ou um olhar de alguém. Ou alguma coisa para fazer tudo dar certo e isso nunca vem, ou parece vir, mas não vem realmente, então você passa seu tempo em vago arrependimento ou vaga esperança de que alguma coisa boa virá adiante, algo para fazer você se sentir conectado. Algo para você se sentir inteiro. Algo para você se sentir amado.”

(Charlie Kaufman / Sinédoque, Nova York)

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Uma vila perdida ao pé dos Alpes, com borboletas, esquilos e criancinhas correndo pelo gramado, jardins de alfazema, amor no coração, onde ocasionalmente faço planos de morar pra sempre, plantar morangos e viver de vender geleia.

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(30 de maio de 2015, Arboretum Volčji Potok, Kamnik, Eslovênia, 13 graus)

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Eu emprestei o carro por uns tempos e peguei de volta ontem. Ao dar a partida, achei que tinha algo diferente: ele estava ligeiramente pesado. Assim, como se houvesse um volume extra. Olhei no porta-malas, no banco de trás, no motor. Nada. Estranho. Dei partida outra vez e fiquei observando.

Era o peso do tanque cheio.

Fim.

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