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Ninguém pode voltar atrás no que já sabe. Eu te entendo por que eu também tive um diário lido. Na verdade, uma caixa com uns 15 cadernos juvenis manuscritos que ficavam esquecidos na casa de minha mãe. Pensamentos, poemas e toda a desimportância de uma adolescência banal dentro de uma caixa lacrada que eu nem lembrava que existia. 

Nos últimos anos, eu já morei em tantos lugares e, uma vez, já adulta, quando voltei de uma viagem de trabalho, fui visitar minha mãe e a antiga funcionária estava colocando a mesa do almoço, como fazia há 20 anos. Eu estava assistindo tv. Ela era fechada e quase não falava comigo, foi colocando a tigela de feijão na mesa e levantou o olhar, me observando por um segundo antes de sair. Um segundo. Como se notasse a minha presença ali pela primeira vez.

Sem tirar os olhos da tv, eu soube. Simplesmente soube. Num lampejo: a velha caixa de cadernos. Deduzi que, se a caixa ainda existisse, estaria no quarto dela e com o lacre violado. Conferi depois. E estava. 

Não sei explicar aquele desconforto. Um constrangimento mudo. Nunca fiz nada a respeito. Até me arrependo, a pessoa que sou hoje teria criado uma inquisição fulminante capaz de arrancar confissões das paredes, mas eu ainda era uma boba diplomática e não toquei no assunto ponderando que, bem, ao menos não havia nada escrito ali que fosse importante. 

Ou havia. Levando em conta que fui repentinamente notada por alguém que, durante 20 anos, não me enxergou. Mas, neste ponto, o meu barraco hipotético já estaria tecnicamente vencido porque não se pode voltar atrás no que já se viu. Haveria uma maneira dela “desler” e acabar com o meu desconforto? Não. O desconforto dela durante uma suposta confissão me ajudaria em algo? Não. Era um ponto sem retorno. 

Um diário lido é uma linha ultrapassada e existem tantas outras. Perdidos sob as prateleiras de tralha das relações humanas, há vasos chineses delicadíssimos, perto deles a gente até respira com cuidado. 

A gente não pode voltar atrás no que já sabe. Mesmo que queira, mesmo que se arrependa, não desfaz do que já viu. Do que ouviu. Do que leu. São os crimes sem possibilidade de vingança porque não existe compensação viável, um olhar suspenso por um segundo entrega o delito do outro, restando a ambos recuar em silêncio e catar do chão a dignidade que lhes for possível. Cada um com seu constrangimento específico. Na mais espinhosa microfísica do desconforto. E ela não tem retorno.

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Eu

quando olho nos olhos

sei quando uma pessoa

está por dentro

ou está por fora.

Quem está por fora

não segura

um olhar que demora. 

De dentro de meu centro

este poema me olha.

(Paulo Leminski / Caprichos)

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“E ouviria você recitar o poema por dez ou doze vezes. acho que te pediria para recitar durante a noite inteira. a sua voz, você, o poema. já é noite. te peço: recita o poema. daqui eu te escuto. diria-te que tua voz soa como barulho de mar que acalma, mas soaria clichê. digo-te apenas que te escuto, sabes bem que te escuto. a noite até ficou mais bela. posso ver e ouvir você recitar o poema. você, a noite, a voz. te peço: recita o poema.”

(Janiele Marinho / Azul Ausente)

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O WordPress me escreveu informando que este blog completa 10 anos hoje. Pareceu um mérito impressionante, em pleno 2017, ter um blog ativo.

Lembro vagamente que a página nasceu de um exercício banal da universidade. Depois virou portfólio de crônicas, depois diário de viagens, depois arquivo de resenhas literárias e não sei bem qual o papel que ele exerce hoje em dia, tipo circo do interior: se reinventando pra sobreviver. Devo reconhecer que mantive com ele uma relação mais estável do que com 95% das pessoas à minha volta. Alimentei sempre. O blog é isso, o meu cachorro virtual.

Honestamente, não sei mais dizer qual o perfil do leitor de agora – internet é tipo igreja, né, sempre de portas abertas. Cada vez mais gente de mais longe se aproxima e é bom conhecer pessoas novas, tem cidadão que surgiu por aqui e, hoje, assalta a minha geladeira semanalmente, há os desconhecidos que me abordam na rua decepcionados: a cara é a mesma, mas te imaginava vestida de preto e coberta de tatuagens. Teve conteúdo que virou peça teatral, matéria de revista e até objeto de estudo em universidade de São Paulo. O blog virou também um desses arquivos que eu mesma consulto pra lembrar o nome de um livro, a data de um evento e acabo revivendo pequenos vexames – sério que eu realmente escrevi isso?? – acho que toda timeline tem um pouco de amizade antiga, pronta pra bater no seu ombro dizendo: lembra de como você era bizarro? Nossa memória nos escapa, fantasia coisas, omite fatos, mas um código binário não mente. Meu blog foi o terrível Grilo Falante da minha última década.

Sobre os outros blogueiros, posso dizer que vivo essa sensação de que as pessoas estão arrumando seus brinquedos e indo embora do play por motivo de “prefiro mídias líquidas que não deixem rastros e Deus me livre lembrarem de quem eu fui anteontem”. Eu, é claro, compreendo. Ainda assim, o Snapchat e o Stories que me perdoem, mas eu vou continuar por aqui mesmo, sentada sobre os arquivos que criei na Idade Média. Razão 1: eu fui alfabetizada antes de aprender a me filmar conversando sozinha com uma câmera. Razão 2: apesar de tudo, eu não quero que minhas histórias desapareçam. Acreditem, crianças, de qualquer forma a internet sabe o que vocês fizeram no verão passado. Acho que nunca mudei de plataforma por que sou meio tipo aquelas vovós que têm medo de apertar o botão errado no microondas e detonar uma bomba no Oceano Pacífico, mas principalmente por quê eu não quero que minhas ideias sejam deletadas em 24h. Eu quero ficar com tudo o que é meu. Não quero que evapore. Meu plano é sentar aqui bem bonita e continuar acumulando vexames para a posteridade.

Hoje este blog completa 10 anos e talvez o grande mérito dele seja esse mesmo – veja só – ainda estar vivo. Fico feliz de existirmos todos de modo simultâneo: eu, a internet, as pessoas que lêem, as pessoas que escrevem. Ao menos, as que ainda escrevem. As que eu ainda posso ler. As que ainda digitam divagações inúteis enquanto aguardam pela senha no balcão da existência. Que sorte a nossa, eu acho.

O blog agradece o carinho de todos. Até 2027. Um beijo.

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“Olhando para ele na praia até você poderia entender a graça dele para as moças: era bonito, mas logo ficaria feio. Isso o deixava ainda mais bonito. Era muito branco e trazia a pele acabada de sol e álcool e privação de sono, a cara sempre meio inchada de ressaca. Tinha sardas nos ombros e pele já fina e flácida logo abaixo do pescoço, de um jeito que poucos têm aos trinta. Tinha rugas ao redor dos olhos, também muito antes da idade, e uma espinha ou outra. Tudo nele era deslocado. Parecia além e aquém de seus anos, feio e bonito. Parecia mal tratado, uma pessoa que não se preservava. Enquanto todos se guardavam numa mesquinharia sem fim, ele se gastava. Era uma beleza que seria arruinada em cinco anos, você queria estar ali para ver.”

(Juliana Cunha / Reação no Mundo)

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Hoje de manhã cedo esse blog já estava com uns 1.500 acessos.
Se cada acesso valesse 1 real, hoje seria dia de jantar em Paris, confere?

Ponderando sobre a questão, apenas.

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